quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Por que Bezos comprou o Post?



Jeff Bezos, dono da Amazon, comprou o Washington Post, um dos mais tradicionais jornais americanos. Pagou 250 milhões de dólares - pouco, se pensarmos no que valiam as empresas de mídia até pouco tempo atrás. Muito, talvez, para um modelo que vai tendo cada vez mais dificuldades com o avanço do meio digital sobre o impresso e suas consequências. Porém, não é o valor que chama a atenção nesse negócio. Por que Bezos, o visionário que entendeu antes de todo mundo o negócio de cauda longa na internet, e que demoliu o mercado convencional do livro e das livrarias no mercado americano com seu site de compras pela internet e o Kindle, compraria um velho jornal - e como pessoa física? Eis a questão.

Ao anunciar o negócio, os donos do Post, um jornalão dirigido há 80 anos pela mesma família, e que teve seus dias de glória décadas atrás, quando suas reportagens derrubaram o presidente Nixon, disseram que com a redução de custos sabiam que podiam manter o jornal por longo tempo. Porém, não viam como fazê-lo crescer novamente. E que, com Bezos, um ícone da imprensa americana teria maiores possibilidades. Ou seja, teria futuro. Um extraordinário realismo, ou desapego, demonstração de humildade? Talvez tenha sido, mais que tudo, a sensação de impotência de quem não é capaz de enxergar mais à frente.

Sabemos que a imprensa não pode nem vai desaparecer. A questão é como ela se amoldará a novos tempos e uma nova maneira de pensar. Uma era em que os leitores respondem ao veículo em tempo real, em que se pode saber o que eles querem realmente saber, além do que o editor quer dizer, e onde se pode ter acesso imediato à informação. Uma era em que o alcance de uma publicação não depende de haver uma banca de jornal nas redondezas, ou de um sistema de assinatura em que folhas de papel chegam pelo correio. Tudo isso está virando passado rapidamente.

Bezos deve ver um futuro para a imprensa, algo que não acontece com os editores tradicionais, muito acostumados aos velhos paradigmas. O próprio nome (imprensa) já não faz muito sentido para designar o negócio da informação. Mas ele não mudou muito em sua essência e não deverá mudar.

Se os antigos editores têm algo a aprender com os tycoons da era digital, esses também podem aproveitar o que o velho mundo tem a ensinar. Que a imprensa existe. Que ela depende de credibilidade, algo que o Post tem de sobra. Que a credibilidade depende da separação entre igreja e Estado - conteúdo editorial e publicidade. Que a informação gabaritada é essencial, formadora de opinião pública e um pilar da democracia e da própria sociedade onde vivemos. O que os velhos editores não sabem, apenas, é como financiar o mesmo serviço num ambiente em que a publicidade convencional se encontra em queda, o meio papel vai ficando caro, e as receitas são insuficientes para manter os mesmos custos de produção que davam no veículo impresso.

É muito provável que Bezos tenha uma ideia do que fazer a respeito, caso contrário não compraria o Post - seria como comprar uma fábrica de discos de vinil. Todos os editores buscam as respostas que ele provavelmente acha que tem na cabeça e devem estar ansiosos para ver o que um pioneiro do novo mundo fará com um negócio tido como decadente.

A primeira coisa que Bezos fez foi convidar os donos e principais editores do Post para continuar em suas cadeiras. Ele sabe que a imprensa depende ainda da mesma coisa: editores e repórteres com credibilidade. Foi isso o que ele comprou. E os próprios editores esperam que ele faça o negócio novamente crescer no ambiente onde ele enxerga coisas que eles não estão enxergando.

Ninguém tem a resposta muito certa sobre qual modelo fará a imprensa se reafirmar. Por mais que tenha uma visão a respeito, Bezos deve saber que não é mais do que uma visão. Só temos certeza sobre o que vai acontecer depois que tudo acontece e temos na mão o resultado. O mundo digital é muito mutante. Porém, alguns caminhos estão delineados.

É preciso manter a separação entre igreja e estado, mesmo num meio em que o dinheiro parece vir da possibilidade de monetizar tudo aquilo que se clica dentro de um computador. A saída certaemnte está na cobrança pelo serviço, um modelo de assinaturas que não é diferente de quando foram criadas as assinaturas para jornais e revistas, o que aconteceu no Barsil cerca de 40 anos atrás.

Nessa época, os editores se deparavam com as mesmas questões de hoje, no mercado impresso. Como ter uma receita maior e estável de publicidade? Garantindo um público permanente, ou seja, a circulação paga. Para isso, era preciso inventar um sistema sólido de assinaturas, o que não era um problema técnico, mas psicossocial: era preciso convencer as pessoas de que elas precisam pagar antes pela assinatura de um serviço que receberiam ao longo do tempo. E isso funcionou para revistas e jornais impressos, que chegavam em casa pelo correio.

Hoje o dilema é o mesmo, só que numa mídia diferente. É preciso convencer as pessoas de que, para ter um serviço de informação confiável, num ambiente cheio de informações inidôneas como a internet, o consumidor terá de pagar. Provavelmente os custos das empresas terão de se adequar a um novo patamar de receitas. E os publishers deverão ter conteúdo exclusivo e importante para que sua carteira de assinantes se mantenha ou venha a crescer num ambiente em que, em compensação, muito mais gente terá acesso à informação.

No Brasil, os jornais - mesmo os ditos ''nacionais'' - sempre foram regionais. Folha de S. Paulo, por exemplo, sempre circulou em grande parte em São Paulo; O Globo e Jornal do Brasil são publicações do Rio de Janeiro. Na internet, a possibilidade de ter um assinante em qualquer lugar do Brasil cresce exponencialmente para os veículos tradicionais. Em tese, isso pode compensar uma perda de receita com o declínio da venda avulsa em bancas e um valor mais baixo para o serviço de assinatura. E a publicidade, ainda que num patamar de valores também mais baixo, pode voltar.

Será certamente uma transição complicada para veículos tradicionais que ainda têm de bancar o papel e uma grande oportunidade para quem está começando do zero. Com certeza, Bezos quer estar lá do outro lado, depois que essa fase de transição acabar.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Uma lição que é um soco na cara


Não é à toa que se diz que determinadas lições são como um soco na cara.

O brasileiro Anderson Silva, nocauteado pelo americano Chris Weidman em sua mais recente luta pelo MMA, deve conhecer agora o valor do ditado. Recebeu literalmente um direto no queixo.

Silva protagonizou um dos maiores papelões da história. Ao lutar com Weidman, e fazer o que fez - baixar a guarda, provocar e fazer pouco do adversário - talvez quisesse imitar Muhammad Ali, um grande lutador, mas que fazia a mesma coisa. Só que Silva, diferente de Ali, tomou um golpe certeiro que o mandou à lona já desacordado.

Muhammad Ali levou tantos golpes na cabeça que ficou precocemente incapaz de falar e se mover direito - logo ele, que dizia, no seu estilo falastrão, picar como uma abelha e se mover como a borboleta. Ao menosprezar o adversário, o falastrão Silva mostrou uma empáfia que é mais comum ver em americanos que em brasileiros. E levou um nocaute exemplar.

Nessa noite, Weidman foi mais brasileiro que o próprio Silva. Enquanto o brasileiro recebeu 1,4 milhão de reais para baixar os braços e dançar, antes de ir à lona, a bolsa do americano para lutar foi de cerca de 54 mil reais. Pelo nocaute, Weidman recebeu um bônus de mais 113 mil reais. Com o dinheiro, disse que pretende comprar uma casa. A sua, em Nova York, virou um esgoto e foi completamente perdida com a passagem do furacão Sandy, em 2012.

Transformado em estrela, Silva esqueceu de onde ele vem - negro, brasileiro, e lutador de vale tudo por falta de opção. Weidman é branco, mas lutou como negro, como pobre, como sem-teto. O seu braço tatuado acertou não apenas Silva, mas tudo aquilo que ele passou a representar: o rico, o soberbo, o anti-ídolo de um espetáculo que não tem muito de esporte. É um show sanguinolento que nesse caso, excepcionalmente, deu um exemplo útil.

Um lição, repito, pode ser um soco na cara. E há momentos em que um soco na cara pode ser uma boa lição.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Eu e o Thales de "Amor à Vida"

O dramaturgo Walcyr Carrasco resolveu botar como protagonista da sua novela das nove na TV Globo um certo "Thales", assim, com H mesmo, e "aspirante" a escritor. Na novela, Thales se apaixona por uma moça rica, que está com câncer. E segue o drama. Qualquer semelhança seria mera coincidência?

Walcyr é um amigo de longa data. Trabalhamos juntos, quando eu era editor da VIP, no final dos anos 1990. Foi ele quem assinou a apresentação de meu primeiro romance, Filhos da Terra, em 1998. E me indicou para a Editora Objetiva, onde tenho publicado meu mais recente romance, Amor e Tempestade. Walcyr sabe que eu já tive mulher e namorada ricas. Certa vez, diante de minhas dificuldades de lidar com certos aspectos do relacionamento com os ultra-ricos, me recomendou a leitura de um livro: Suave é a Noite, de Scott Fitzgerald. Que eu recomendo também, como um grande livro, ou para quem quer ter uma pista de onde, pode ser, irá a novela.


Não posso dizer que sou o personagem do Walcyr. Talvez nem ele mesmo possa dizer. É indefinível, muitas vezes, o limite entre a ficção e a realidade na imaginação de um autor. Agradeço no entanto a homenagem do nome e que sua inspiração tenha feito, na cabeça de seu criador, o personagem ser o herói da história, e não um bandido ou um vagabundo qualquer. Quanto á namorada com câncer, me lembra mais a história de outro amigo que eu e Walcyr temos em comum. Este amigo conheceu a mulher dele na mesma noite em que ela descobriu que tinha a doença. Antes um namorador contumaz, ele permaneceu fiel ao relacionamento. Um mês depois de ser considerada curada, sua mulher ficou grávida. O menino hoje tem dois anos, e recentemente eles fizeram sua primeira viagem juntos de férias, depois de quatro anos de relacionamento. Um final extraordinário, melhor do que qualquer ficcionista poderia imaginar. Outra pista aí de onde pode ir o folhetim global.

O escritor dá medo nas pessoas ao seu redor. Medo porque ele processa tudo o que vê e utiliza as pessoas mais próximas, muitas vezes, como material de trabalho. Muitas pessoas receiam o que possa sair de sua cabeça, ou melhor, de seu computador. Uma vez, um ex-cunhado meu, juiz de Direito, me perguntou como as pessoas se defendiam de escritores, depois de observar que eu "acertava muitas contas" naquilo que escrevia. Eu disse, simplesmente: aceitando.

É fácil falar isso, para um autor, mas nem tanto quanto se está do outro lado. O escritor pode também ser "vítima" de um amigo ou colega. Essa é a razão pela qual escritores em geral não se dão muito bem entre si - só se interessam pelo que eles próprios estão escrevendo, e evitam o semelhante, justamente por conhecerem o processo de trabalho. Preferem ser personagens de si mesmos. Não é meu caso. Tenho em Walcyr um grande amigo, não importa o que escreva. Torço para que a novela continue fazendo muito sucesso. E que o Thales de Amor À Vida tenha a sorte, como eu, de um dia ser feliz no amor e, também, na literatura.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Um povo gigante

A festa tinha tudo para dar errado. A seleção brasileira vinha mal, o povo insatisfeito resolveu usar o futebol para manifestar todo seu desagrado, e havia um certo perigo de, ao expôr nossas mazelas, passarmos vergonha diante do público mundial, tanto no plano diplomático quanto esportivo.

E o que aconteceu foi bem o contrário. O Brasil já deu grandes exemplos ao mundo de civilidade. Primeiro, quando refez de forma pacífica sua cidadania e a democracia, com o movimento das Diretas Já. Depois, organizou sua economia, recolocando ordem onde é necessária. Mais recentemente, com o recado das urnas, estimulou a promoção social da massa mais pobre e marginalizada. E agora deu mais uma demonstração ao mundo de que não são os governantes que dirigem o país. Eles são apenas delegados, com mandato definido e contas a prestar. Quem manda no Brasil é o povo brasileiro. E o povo brasileiro sabe o que faz.

A Copa das Confederações acabou sendo uma festa política, de cidadania e foi coroada também por uma grande festa esportiva. Foi especial ver o povo brasileiro defender as causas em que acredita e lembrar seus governantes dos compromissos que ainda falta cumprir - transporte, segurança, saúde, educação, ética na política. Claro, sempre que há manifestações de massa, aparecem os oportunistas. Oportunistas são os baderneiros que aproveitam a multidão para fazer arruaça. São os partidos de direita e esquerda que querem pegar carona no que não têm - a força popular. E os políticos, como a presidente Dilma, que fez de conta que as manifestações eram a favor do governo, e usou o movimento para propor um plebiscito que nunca apareceu nas reivindicações populares, para poder fazer uma pseudo-reforma política que é do interesse apenas de um minoria dentro do seu próprio partido.

O povo brasileiro, porém, não pode ser confundido com essas minorias de oportunistas e vândalos. A voz do povo falou mais alto, com grandes manifestações cívicas. Foram as milhares de pessoas que saíram ordeiramente às ruas e cantaram o hino nacional em cima da laje do Congresso. E, nos estádios, levaram o hino até o fim, fazendo valer a lei brasileira - hino nacional, quando cantado, é até o fim. O povo brasileiro passou por cima da arrogância da Fifa e seu presidente, expoente máximo de uma entidade moralmente questionada por um passado infestado de denúncias de corrupção, mas que acha que pode dar lição de moral a um povo inteiro (e tomou uma vaia exemplar).

Por fim, o Brasil mostrou grandeza também em campo. Seu futebol renasceu das cinzas, vencendo de forma categórica a seleção cujos jogadores disseram que eram "o Brasil do presente". O Brasil, em campo, mostrou aos estrelados campeões espanhóis a cor da camisa do Brasil de verdade. Venceu com sobras uma Espanha que, melhor que tudo, não foi mal - ao contrário, mostrou seu futebol de sempre, vencedor e tão decantado pela imprensa esportiva. O Brasil não venceu bem porque a Espanha jogou mal. Venceu mostrando que há um padrão superior. Um futebol ao mesmo tempo competitivo e bonito e que, acima de tudo, não dá muitas chances ao melhor adversário.

O Brasil sofrerá derrotas e terá dias ruins. Porém, a força coletiva mostra que este é um país capaz de sempre se levantar. E que caminha rumo a um sonho de milhões de pessoas, desejosas de fazê-lo cada vez mais real. Quando acredita em si mesmo, e levanta suas bandeiras, dentro e fora de campo, o povo brasileiro é gigante.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Escreva Bem volta como curso regular


A partir do segundo semestre, quero dar de forma regular o curso Escreva Bem, Pense Melhor, depois da boa experiência que tive ao inaugurá-lo em janeiro, na Casa do Saber.

Primeiro, pelo interesse: num mês de férias, e meio desacreditado a princípio, o curso acabou tendo mais procura do que se esperava. Tanto que, da sala normal da Casa do Saber, que superlotou no primeiro dia de curso, com um grande número de inscrições adicionais na última hora, tivemos de ser transferidos para o auditório a partir do segundo dia.

Constato que hoje as pessoas têm uma necessidade muito grande de escrever, por conta da internet. Tanto no âmbito privado quanto profissional. A educação no Brasil é muito falha no que diz respeito à redação, e o processo de escrever tem suas dificuldades naturais, que envolvem a capacidade de organização mental e expressão do indivíduo.

Um das coisas estranhas que aconteceram na Casa do Saber foi me chamarem de "professor". Sou de uma família cheia de professores, uma dúzia deles, entre tios e primos. Minha mãe era professora. Mas eu não sou professor, algo que para mim tem algo de acadêmico. Acho que essa é justamente a diferença do Escreva Bem, Pense Melhor, para outros cursos de redação. Como autor de livros de reportagem e de ficção, além do meu trabalho como jornalista e editor, sempre tive de atrair o leitor - disputamos seu tempo e atenção com outras coisas que podem ser do seu interesse. É algo muito diferente de escrever um texto, por exemplo, que será lido obrigatoriamente por um examinador, embora esse texto também tenha seus desafios.

Saber que o leitor não tem a obrigação de ler o que a gente escreve nos força a sermos bons, realmente bons. Para sermos lidos, precisamos fazer algo sempre importante, interessante, divertido - ou as três coisas ao mesmo tempo. É isso o que transforma alguém que escreve realmente num profissional de mercado, ou em alguém que, mesmo sem objetivos profissionais, deseja ter leitores espontâneos.

Além dos meus próprios livros, ao longo de minha carreira como editor de jornal, revistas e livros, tive o desafio de formar ou orientar centenas de profissionais que necessitavam escrever. Daí surgiu minha experiência nisso. Nunca fiz curso de pedagogia. Minha prática na orientação de escrever vem do dia a dia das redações e no trato direto com autores e jornalistas.

Estou dividindo o curso em dois módulos. O primeiro é o básico, no qual apresento as questões elementares da redação, que envolve muito mais do que simplesmente escrever. Pelo curso, entramos no processo mental de escrever, o que acaba se tornando útil para a vida de uma forma mais ampla: como definir o que é mais importante; o encadeamento das ideias, para uma apresentação clara; como concluir de uma forma interessante ou de impacto.

Pelo curso, procuro mostrar que a clareza mental é algo treinado: aprendemos a definir o mais importante e apresentar as ideias de uma forma organizada. Com isso, podemos nos expressar melhor. E isso é cada vez mais importante tanto na vida pessoal como no meio corporativo.

Como para escrever é preciso utilizar nossa motivação e a bagagem pessoal, que é tanto de informação quanto cultural e afetiva, o exercício de escrever é também um processo de autoconhecimento, aspecto também discutido ao longo das aulas, asim como de onde vem a inspiração e a criatividade.

O segundo módulo do Escreva Bem, Pense Melhor será mais dedicado às formas literárias de escrever e a workshops. Os elementos do módulo anterior são reutilizados de forma a que se possa colocar os conceitos em prática e trabalhar em textos com cunho mais pessoal ou criativo.

Cada curso é um pouco diferente do outro. Escrever é um processo artesanal, que depende completamente do indivíduo; cada curso segue conforme seus participantes e procuro atender ao máximo as dúvidas e problemas individuais. Essa é a parte mais interessante e que torna cada curso um rico aprendizado também para mim.







segunda-feira, 3 de junho de 2013

Civita e a importância de um editor

Entre as muitas lições deixadas por Roberto Civita, falecido em 26 de maio último, a que mais me fascinava era sua definição do que é um editor. Para Roberto, o editor era o homem que acreditava. Um homem de fé. Que acreditava não em Deus, mas que tinha pontos de vista, e acreditava neles, custasse o que custasse. O editor era o homem que achava que sabia o que as outras pessoas queriam, muitas vezes antes delas mesmas. Ou que reafirmava suas ideias e convicções de tal forma que influía de fato no que elas pensavam e queriam.

Nos últimos tempos, andaram dizendo que o editor está em vias de extinção. Hoje, mecanismos automáticos de busca como o Google parecem identificar o interesse das pessoas e seus grupos (as "redes sociais"), por meio de algoritmos que pesquisam palavras ou aglutinam gente por algum tipo de proximidade, pessoal ou profissional. Fariam de forma matemática, ou computacional, o que antes parecia, pelo menos aos olhos do editor, uma função que tinha muito de intuitiva. Porém, o editor continua insubstituível. Porque sua especialidade não é apenas reconhecer o que as pessoas querem; é dar a elas aquilo que ainda não sabem o que querem. Parte da tarefa do editor é, como observador e analista da sociedade, inventar o que as pessoas ainda vão gostar. E isso se faz a partir de suas próprias ideias, sua visão do mundo, do mercado, e de seus ideais.



Com Civita, foi assim. Não poucas vezes, ele produziu revistas para as quais o mercado brasileiro ainda não existia ou não estava preparado. Fez sua primeira revista de informação, Quatro Rodas, quando praticamente não havia estradas asfaltadas no país e a indústria automobilística estava apenas sendo implantada para o consumo de massa. Durante sete anos, a Editora Abril arcou com o prejuízo semanal de Veja, uma revista de informação que dependia de um sistema de vendas que ainda não existia - as assinaturas - para garantir circulação e, assim, a publicidade.

Civita percebeu que essas duas coisas - circulação e publicidade - é que garantiam a independência editorial e vice-versa. Essa independência financeira apoiada no mercado, e não em dinheiro ou favores de governo, era a condição essencial para o exercício da liberdade de expressão que ele identificava como algo fundamental para a democracia brasileira. E podia perenizar uma publicação, que se transformava assim em uma instituição brasileira em defesa da verdade, independente da cor dos diversos governos que se sucedem na história democrática.

Como editor, ele sustentou Veja, até dar certo, por acreditar - acreditava que o Brasil precisava da democracia, que a democracia precisava de uma revista independente, e que isso seria inevitável. Até que, sete anos depois, o inevitável chegou com a inversão da curva que levaria Veja a ser, como é hoje, a segunda maior revista semanal de informação do mundo, apenas atrás da americana Time.

É admirável como a visão de um fato que ainda não existe pode se transformar no próprio fato, apenas pelo trabalho do editor - o homem que acredita nas suas próprias ideias. Ao dar às pessoas aquilo que elas ainda nem sabiam o que queriam, Civita na realidade implantava o seu próprio ponto de vista, uma versão bastante particular e brasileira da verdade universal de que a democracia depende da imprensa livre. Com seu jeito um tanto blasé, ele chegava por vezes a minimizar a importância do papel de Veja, mas a revista contribuiu de maneira decisiva para transformações importantes no país: a construção de uma democracia sólida, pela qual Veja lutou, no processo de redemocratização; a formação de um capitalismo liberal, mais livre das amarras impostas no passado pelo Estado xenófobo e autoritário do regime militar; o combate à corrupção e aos descalabros no manejo do dinheiro público, no sentido de uma política mais ética e voltada para o interesse público; por fim, e não menos relevante, a formação de uma classe média mais educada e bem informada e com uma renda capaz de transformar o Brasil num mercado consumidor importante.

Por vezes, o editor está errado - coloca seu ponto de vista muito à frente do que pode, ou não enxerga o melhor caminho. Alguns dos produtos de Civita não deram certo, ou deram certo apenas por algum tempo, como a revista Realidade, uma publicação inovadora para sua época, mas que teve um prazo limitado de validade. Porém, a maioria das coisas em que Civita acreditou estavam certas, porque partiam de princípios mais que justos. Sua postura de colocar-se ao lado do leitor, de forma a lhe garantir uma publicação independente de outros interesses que não o compromisso jornalístico com a verdade, combinava perfeitamente com a liberdade de expressão, a defesa da democracia e a procura de uma sociedade mais justa.

Essas ideias e ideais não são apenas dele, mas Civita soube capitalizá-las em produtos que agregaram ao seu redor interesses muito poderosos, porque combinam com o próprio interesse do Brasil como Nação. É assim que se consolidam as instituições. Por isso, Civita, que nasceu em Milão e foi criado em Nova York, foi um brasileiro essencial para o bom caminho que o Brasil tem trilhado, com uma democracia voltada para a busca de uma sociedade mais livre e ao mesmo tempo justa, que busca a riqueza sem perder as preocupações sociais, e capaz de explorar racionalmente seu imenso potencial natural e de mercado. Cabe a todos nós que carregamos a mesma bandeira fazê-la tremular com o mesmo empenho, entusiasmo e coragem. Pois, como Civita mesmo dizia, a liberdade e a democracia dependem de um trabalho cotidiano de manutenção.









terça-feira, 28 de maio de 2013

O legado de Civita


Em 1999, o financista aposentado Geraldo Forbes estava na mesa que lhe era diariamente reservada no restaurante Fasano, em São Paulo, quando entrou no salão o editor Roberto Civita. Conhecidos de longa data, Geraldo chamou Roberto à sua mesa. Cumprimentou-o e apontou, almoçando à sua frente, a filha Alexandra Forbes, que trabalhava, na época, em VIP. A revista, que fazia pouco deixara de ser um suplemento de Exame, então andava explorando aspectos mais bizarros do sexo para chamar a atenção. Geraldo não gostava nada daquilo, embora Alexandra fizesse, na publicação, somente a função de crítica gastronômica. “Roberto, quero te apresentar minha filha Alexandra, que trabalha numa de suas revistas, a VIP” , disse ele. “E quero também te dizer uma coisa: eu tenho vergonha de dizer que ela trabalha na VIP!” Roberto não se fez de rogado. Abriu seu sorriso de sempre e, com o sotaque levemente americano que o caracterizava, disse, simplesmente: “Se você tem vergonha de dizer que ela trabalha nessa revista, imagine então eu, que sou o dono dessa revista!”

Panache é uma maneira elegante e espirituosa de sair de situações difíceis ou delicadas. Ela define o homem, porque vem não somente da educação como de uma atitude perante o mundo. É um refinamento do verdadeiro cavalheiro, ao qual poucos chegam. Este pode até passar por apuros, mas não deixa de encarar a vida com certa leveza. É digno e, na vida prática, creio que funciona melhor. Roberto Civita tinha panache. Aparecia nas diversas situações que tinha de enfrentar, muitas como editor, especialmente em Veja. Não fosse isso, provavelmente teria muitas vezes deixado de lado suas convicções. Roberto sustentava corajosamente pontos de vista, mesmo quando pareciam ser os mais quixotescos, como se não fosse nada. “Os leitores que gostam compram”, disse certa vez, ao discorrer sobre a necessidade do editor de mostrar claramente o seu ponto de vista nas capas de Veja. “Os que não gostam, passam para ler outra coisa.”

Esse mesmo espírito aparecia nas decisões empresariais. Quando a Abril passava por uma séria crise financeira, em meados dos anos 1990, os consultores contratados pelo próprio Roberto diziam que era preciso cortar gastos, começando pelo overhead – os executivos e jornalistas que pertenciam à cúpula da empresa. Numa reunião, onde estes se encontravam todos presentes, ao chegar ao assunto dos cortes na diretoria, Roberto se levantou da mesa. “Eu vou embora, e vocês resolvem aí quem é que vai sair”, disse ele. “Eu simplesmente não consigo me livrar dos meus idiotas de estimação.” E saiu mesmo, deixando uns olhando para os outros, em silenciosa perplexidade.

Um dos que se tornaram ex-executivos da Abril, o jornalista Antonio Machado, lhe mandou um e-mail quando a Abril vendeu para a Folha da Manhã sua participação no UOL por um bom dinheiro, em 2001. Antonio lembrava que Roberto era descrente dos negócios da internet, e que ele, Antonio, levara adiante a primeira incursão da empresa no mundo virtual (o "Brasil Online, BOL), de forma que naquele momento podia colher o resultado. “A minha participação nessa venda eu deixo a você como doação”, escreveu Antonio. Roberto lhe enviou uma resposta, dando-lhe toda razão, reconhecendo o fato de Antonio ter insistido com ele para levar adiante o portal na internet. Assinava, no final, “Roberto”. Embaixo, um PS: “E muito obrigado pela sua doação!”

Roberto Civita faleceu no dia 26 de maio último. Assim como Ruy Mesquita, de O Estado de S. Paulo, falecido pouco antes, deixa no ar a sensação de que uma certa era da imprensa vai indo embora junto com seus ícones. Porém, Roberto deixa um legado importante para a imprensa, além do conjunto de seus negócios, que se espalham pelo meio do livro, da revista, da TV e dos veículos digitais. É algo mais impalpável, porém mais duradouro: o respeito à verdade, a coragem, o compromisso com o Brasil e com o leitor, que é o brasileiro. Deixa um modelo de imprensa exemplar e também de comportamento, que me lembra que mesmo para mover montanhas é bom ter um sorriso no rosto e algumas palavras gentis.