quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Vitórias sobre o medo


Reflexões que servem para nossas vidas e todo um país

Quando eu tinha 36 anos, eu larguei um bom emprego, o casamento, a minha casa, tudo de uma vez. Queria escrever um romance que não saía do lugar, me sentia premido pelo que eu chamava de “maldição da classe média”, com a perspectiva de levar uma vida rotineira até confortável, mas que não estava à altura dos meus sonhos. E resolvi chutar o balde.

Eu me lembro de que naqueles dias, sozinho no meu apartamento de casado, enquanto minha ex-mulher buscava o apoio da família na sua cidade natal, comecei a pintar. Fiz uma paisagem. Achei que era apenas uma maneira de limpar a mente. Quando minha-ex-mulher retornou de viagem, e eu saí para nunca mais voltar, lembro de tê-la encontrado na garagem do prédio e, na passagem, de lhe dar de presente o quadro que eu pintara.

- Para onde você vai? – perguntou ela.

- Não sei ainda – eu disse. E completei, meio brincando, meio sério: – Morrer de fome, em algum lugar.

Ela olhou para o quadro que eu pintara. E disse:

- Você nunca vai morrer de fome.

Foi um momento especial, um último gesto de carinho, deixado num caminho que involuntariamente se tornara tão sofrido. Entendi afinal porque pintara aquele quadro: ele me lembrava do que gostava, de quem eu era, do que podia fazer sem recurso algum, começando do zero – do meu verdadeiro capital, que era eu mesmo. Sim, eu nunca vou morrer de fome, porque em tudo o que fizer, sempre haverá este valor essencial.

Mudei, deixando tudo para trás, num gesto que a muita gente pareceu insensato. Porém, foi a melhor coisa que fiz. Terminei meu livro e a literatura passou a fazer parte indistinta da minha vida. Trabalhei e ganhei mais dinheiro do que jamais pensei que iria ganhar. Recuperei a casa, o carro e todos os outros bens que deixei no passado, com larga vantagem. Sobretudo, passei a me conhecer melhor, ajustei a isto minhas escolhas e a partir daí construí uma nova família e uma maior felicidade.

Claro, eu não teria feito nada disso se tivesse medo. Medo de ficar sem emprego, casa, mulher. Medo de enfrentar o desconhecido. Medo de sofrer. Medo de mim mesmo.

Uma das coisas que sempre achei abomináveis na classe média é o medo. Medo de perder o emprego, que leva a outros medos e leva muita gente a viver pequeno, na defensiva. Medo de mudar. A média é mais conservadora das classes. Por isso é que a maioria dos ricos nasceu pobre. O pobre, que tem pouco a perder, tem menos medo de arriscar. O pobre fica mais rico que aquele que vem da classe média.

Falo de indivíduos, mas isso tem efeito sobre o próprio destino de um país, como estamos assistindo agora. Quando a crise financeira se abateu sobre o mundo, há um ano, a classe média brasileira olhou o que acontecera com a americana e se encolheu, com receio de também perder o emprego e ficar apenas com suas dívidas.

As empresas fizeram o mesmo, deixando-se governar pelo medo. Reduziram drasticamente investimentos, que são sinal de confiança no futuro. Preservaram-se, pensando pequeno.

O presidente Lula, que não veio da classe média, mas do pau-de-arara que o trouxe de Garanhuns, disse que não devíamos ter medo. Mandou o brasileiro continuar comprando, para que o medo não paralisasse a economia. E mandou que as empresas fizessem o mesmo, começando pelo exemplo das estatais, sobre as quais tem comando direto. Assim é que os empregos são garantidos.

Estava com a razão. A economia interna continuou funcionando e o Brasil, com o mercado interno imenso que possui, ainda mais agora, com a integração de muito mais gente à classe consumidora, não apenas foi um dos últimos países a serem afetados pela crise internacional como foi o primeiro a sair dela.

Volto do efeito do medo sobre a macroeconomia para o plano individual. Eu trabalhei em vários lugares, mas nunca tive medo. Medo de dizer o que penso, de tentar o que acho certo. Nunca tive medo de perder o emprego, que leva à subserviência, à vassalagem, e no fim das contas, à conivência com o erro. Nunca tive medo de crise. A crise é importante para melhorarmos; é quando quebramos padrões que não estão levando a lugar algum, para chegar a algo melhor. A crise é que move o mundo. Abre oportunidades.

Nunca tive medo porque nunca pensei nele. Nem nas suas consequências. Preferi sempre fazer as coisas sem pensar nos riscos, em ganhar ou perder – penso apenas em fazer o melhor possível. Não sei se isso é coragem, mas sempre deu certo, no fim das contas. Quem tem medo de perder, sempre acaba perdendo. Ao mesmo tempo, quem sempre acha que vai ganhar, corre sérios riscos. O melhor é viver agindo da melhor maneira, com esforço, inteligência e prazer. Estabelecer metas, mas não trabalhar por elas, e sim pelo próprio trabalho.

É o que dá mais resultado.

A eficácia da democracia

E por que demora tanto a depuração do Congresso

Ninguém duvida que o grande legado de nossa geração para o Brasil foi a democracia. Com o crescimento econômico sustentado e a nova posição do Brasil como uma força emergente no mundo, estamos colhendo os frutos da convicção de que a democracia representativa não é apenas um sistema mais justo, como o que mais funciona.

O voto direto fez com que, a cada nova gestão, o eleitorado pudesse colocar o Brasil um passo adiante. Collor, apesar dos erros que o puseram fora do governo, abriu para o mundo a economia brasileira, antes meio soviética, por conta do nacionalismo obscurantista do regime militar. Seu sucessor, Itamar Franco, assegurou a estabilidade da moeda. Fernando Henrique estendeu essa estabilidade com um melhor controle fiscal e monetário. Lula recolocou o Brasil no caminho do crescimento com a expansão do mercado pela base – a imensa massa da população que vem se tornando consumidora. Certamente caberá ao próximo presidente consolidar mais nosso futuro com mais educação.

O sucesso da democracia vem do fato de que, a cada gestão, podemos impor as metas seguintes e colocar o indivíduo adequado para executá-las. Os últimos presidentes do Brasil têm respondido às exigências da etapa que lhes é confiada, num processo gradual próprio de um país institucionalmente estável e que aos poucos começa a aproveitar as riquezas que lhe dão imenso potencial.

Aí vem tantas perguntas: por que a democracia não depura também o Congresso? Por que deputadores e senadores ganham mais destaque pela contratação de parentes, viagens de turismo e outras atividades que sugerem mau uso do dinheiro e completa ausência de espírito público? Por que ninguém sabem o que eles fazem de bom para o país? Por que fica na conta deles a imagem negativa que hoje fazemos do político?

Parte da responsabilidade é nossa, do eleitorado, o que se explica. Para o eleitor brasileiro, governo é o Executivo. O Brasil não dá, jamais deu, muita atenção ao Legislativo. O brasileiro tem urgência na solução de seus problemas e não vemos capacidade de produzir resultados muito práticos na reunião de um monte de gente onde onde o debate se prolonga e forças opostas tendem a se anular, levando à paralisia.


Diante disso, especialmente na Câmara, para o Congresso em geral o eleitor elege qualquer um. Tende a marcar o nome do menos pior, ou vagamente conhecido, apenas como quem se livra de uma obrigação. E depois nem confere o que está fazendo a pessoa que ajudou a eleger.
O brasileiro acredita mais no executivo por uma razão muito simples. Funciona muito mais em termos práticas uma única cabeça que pensa e age sem deblaterar. E o brasileiro gosta de ação, porque este paí, com tantas carências, de fato, precisa de ação. Daí nosso histórico flerte com os demagogos, que constroem sua carreira em cima de muitas promessas. E daí a recente ojeriza à demogagia, porque o brasileiro se cansou de falsas promessas, ou de promessas sem resultados reais.


Nossa Constituição estabelece claramente a preferência do brasileiro pelo presidencialismo. O sistema presidencialista, com quatro anos de mandato para o presidente, é simples. O presidente é o chefe de Estado e tem quatro anos para resolver o que lhe foi mandado resolver; no final desse período, se fizer seu trabalho, ele fica, abençoado por nova votação; se não fez, vai embora.
O sistema parlamentarista, que tem o Congresso seu principal pilar, funciona melhor nos países com tradição de debate e um sistema partidário mais eficaz e representativo dos interesses sociais. Nele, o primeiro-ministro, que é o chefe do executivo, sai do próprio parlamento. O fato de poder ser trocado antes de quatro anos se o Congresso assim desejar, supostamente garante ao sistema mais agilidade. O brasileiro, porém, desconfia da agilidade de uma assembléia, assim como de seus meios e propósitos.


Na cabeça dos brasileiros, questionar a autoridade a todo momento, sujeita às forças sempre mutantes do Congresso, pode levar a muitas confusões e questionamentos da ação durante o mandato. Para a maioria, é melhor alguém que possa ser menos questionado durante o trabalho com o qual se comprometeu em campanha, aprovado pelo eleitor em votação direta. Ao mesmo tempo, lhe damos um mandato mais curto; seu trabalho pode ser verificado em quatro anos; caso não esteja satisfeito, o eleitor mesmo o manda para casa; não dá a nenhum deputado o senador o direito de fazê-lo em seu lugar, exceto em situações excepcionais, como a de corrupção.


O Brasil acredita mais no voto direto que na representatividade dos políticos do Congresso. Tem suas razões, pois o Congresso está muito sujeito ao lobismo e à má qualidade dos políticos. Diferente do executivo, de onde Collor já foi defenestrado por mau comportamento, graças à ação do próprio Congresso, tem mais dificuldade de punir seus próprios pecados. Tanto que o presidente do Senado, José sarney, continua lá, apesar de tudo o que se sabe dele. Tanto que até Collor está lá.


O brasileiro gosta de estar no governo. Eleger o presidente é uma forma mais direta de ver o poder que conferiu sendo exercido. Essa mentalidade é resultante de um povo que por muitos anos ficou sem o direito de escolher o seu chefe de Estado pelo voto direto. A principal demanda do país ao final dos 30 anos longe da democracia era a eleição direta para presidente, assim como os outros postos executivos na esfera municipal e estadual. É aí que o brasileiro centrou esforços de depuração política, porque aí residiam nossas esperanças de recuperar anos de atraso e diminuir o nosso enorme fosso social.


Outro efeito da ditadura militar, porém, foi dar um espaço maior ao parlamento. Ao elaborar a chamada Constituição Cidadã, a Assembléia Constituinte tinha ainda muito presente os anos de chumbo, em que o Executivo, apoiado nos seus batalhões, impunha sua vontade sem controle algum e vivia mais atento à lógica interna do golpe de 1964 e ao tecnicismo dos seus burocratas que à vontade e às necessidades da população.


Os constituintes, então, trabalharam por fazer uma Carta onde o Congresso, que chegou a ser fechado durante os anos de exceção, tivesse mais poder, incluindo o de obstruir a maioria das ações do executivo. Mas fez isso de um jeito tortuoso e atrapalhado. Por um lado, a maior parte das decisões passou a depender do Congresso. Por outro, para evitar a paralisia, a Constituição deu ao Executivo o instrumento da Medida Provisória, que permite colocar decisões em prática antes de serem ratificadas pelo Legislativo.


É óbvio que isso iria dar problema. Há uma quantidade enorme de medidas provisõrias que não são votadas pelo Congresso, muito embora o complexo parlamentar de Brasília abrigue 8.000 pessoas para fazer funcionar as duas casas, a Câmara e o Senado. Algum dia ainda será preciso reconhecer que a maioria das medidas provisórias são decisões que cabem ao Executivo e que os constituintes exageraram em uma porção de atribuições da própria Carta e do Congresso Nacional.


Desses exageros, apenas alguns foram cortados na nascente, como a lei que estabelecia um limite máximo de 12% para os juros reais. Assim como os juros dependem do mercado, e não da lei, só faltou à nossa Constituição dizer que o Brasil deve crescer 12% ao ano e é proibida a recessão. A Constituição americana é mais genérica, uma carta de princípios que não entra em detalhes de administração pública e que necessitam de mais liberdade e agilidade nas decisões.


O brasileiro não se preocupa muito com o Congresso, é verdade, e só se lembra dele quando aparecem falcatruas. O Congresso é importante no seu papel Constitucional de criar leis e fiscalizar os outros dois poderes, bem como os outros dois poderes devem fiscalizá-lo: o equilíbrio clássico no sistema de três poderes com um Congresso bicameral. Ajuda no sentido de proteger algumas minorias e defender de maneira proporcional os interesses de cada Estado na Federação.

Cabe aos próprios congressistas mostrar o seu valor, dedicando-se às tarefas essencias do parlamento com mais eficiência e fiscalizando com medidas eficazes que mostrem sua seriedade. Com isso, pode-se chamar novamente atenção para bons serviços que o Congresso pode prestar. E inverter o círculo vicioso que leva eleitores e os próprios representantes a acreditarem que aquilo tudo aquilo não passa de uma farsa que temos de aturar e só leva a mais desprezo.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Brasileiros


O que temos e o que não temos

Brasileiro não precisa de ciência, já vem geneticamente modificado. Última escala na evolução do protozoário, vem bem acabado e vocacionado para a neutralidade. É tão misturado de raça e credo e de tudo que, tudo somado no caldeirão da humanidade, as forças opostas se anulam.


Daí a nossa ausência de radicalismos, de intolerâncias, de questionamentos. Brasileiro é bem resolvido, de natureza pacífica, espírito conciliatório, tendência protelativa. O que não significa ser um inerte, um bobão. Tendo dentro toda aquela maçaroca peninsular, ibérica, africana, oriental, a soma final fica zero, mas cada elemento está lá dentro, latente, e pode ser despertado por circunstâncias.


Nisso o brasileiro é ainda como o índio, que nasceu aqui e deu o tom à terra, da mesma forma que os papagaios e o Pau-Brasil. Índio é alegre, criança, inocente, brincalhão. Não se preocupa com nada, porque sabe que vive numa terra grande, cheia de fartura, que provê quando necessário, é só ir lá e pegar.

O índio é gozado, vira de humor de repente, parece que não conhece até o amigo, fica cego, e não custa nada para meter a borduna na cabeça de alguém. Mas depois, a raiva passa, depressa como veio; e ele sai embora dando risada de novo.

O mundo é muito sisudo, cheio de coisa estranha; isto é verdade, só aqui a gente se sente completamente à vontade. Brasileiro se dá bem em todo lugar, mas ao mesmo tempo não se dá bem em lugar algum; fica triste, desenxabido, sente saudade até do feijão.

O turco é alegre, aberto, amigo; o egípcio também é gente de origem pobre, sem ser revoltada, que tem sempre um sorriso no rosto, amiga de todos; e está sempre pronta para ajudar, mesmo quando não tem condição.

Do primeiro mundo, povo bom assim tem só o italiano, também vocacionado para a felicidade; não alimenta culpas, nem se pega tanto em briga de vizinho ou religião, só de futebol. Não se importa com ideologias. O italiano idolatra a família e coloca a emoção na frente de tudo; para as coisas sentimentais, rasga o coração.

Mas como o brasileiro não tem igual, porque aqui no Brasil essa alegria de viver é multicultural, vem do escravo que dançava de roda. Nossa coragem é do bandeirante que vencia as mutucas com sua casca grossa e não se assustava sequer com os índios antropófagos. Ao contrário, gostava era das índias morenas que achava pelo caminho, enquanto abria picada pelo país inteiro. Caía também pelas negrinhas da senzala, o que deu nessa mistura doida. O brasileiro ficou povo colorido, rosado de gordo e queimado pelo sol tropical.

O brasileiro é povo sem teoria, é tudo natural para uma gente que anda de sandália e bebe cerveja na esquina e torce para o Corinthians ou o Flamengo ou algum outro time que sempre é o melhor do mundo. O brasileiro é sábio, porque sabe que a felicidade está nas pequenas coisas; não fica pensando muito, nem estraga a vida como esses povos ranzinzas. Não perde tempo pensando em armas nucleares nem coisas assim, nem se leva muito a sério, mesmo nas coisas mais sérias. No Brasil até mesmo juiz de direito já pulou carnaval.


Ah, se e o Brasil tivesse só um pouquinho mais de organização, e esses políticos um pouco de vergonha na cara!

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

A grande virtude


Hoje pouco se ouve falar da “força de vontade”

Quando eu era criança, ouvia muito essa frase:

- Filho, você precisa ter força de vontade!
Aquilo se aplicava a tudo. Fazer os deveres na escola. Levantar cedo de manhã. Não desistir de qualquer coisa.
Ter força de vontade era a diferença que resolvia tudo. Muitas pessoas têm qualidades e algum talento, mas sem força de vontade... nada surtia efeito. E mesmo as pessoas que não tinham grandes qualidades ou talento algum ainda podiam ter o mais importante. Força de vontade.
A difusão dessa qualidade essencial perdeu força com o tempo. Hoje se vê poucos pais apelando para a força de vontade na criação dos filhos. Crianças e adolescentes hoje são criados na cultura do menor esforço. Para que ir a algum lugar se existe o serviço de entregas? Para que fazer conta no lápis se tem a calculadora? Para que ir a um lugar se podemos fazer a pesquisa pela internet? Por conseguinte, para que tomar as decisões mais difíceis se podemos deixar para depois ou resolver de um jeito mais fácil?
Insubstituível é a forma como moldamos o caráter. Eu fui criado na dificuldade. Meus pais eram pobres e não tive infância fácil. Eu me lembro dos dias em que não tinha dinheiro para pegar o ônibus de volta para casa, quando adolescente. Esperava os ônibus mais lotados. Assim podia ir pendurado do lado de fora até o ponto perto de casa e descer sem pagar nada.
No colégio salesiano, a disciplina era dura, nada podia, estudar era visto como uma obrigação, um dever, um sacrifício. Mas havia um prazer enorme em superar os obstáculos. A disciplina só me ensinou a dar mais valor à liberdade e a não desperdiçá-la. Mas isso era eu. E era antes.

Hoje esse parece um discurso antigo, e quando fazemos um discurso que parece antigo descobrimos que nos tornamos velhos. Pior: sou obrigado a fazer a opção pela velhice, porque não me sinto disposto a gostar da cultura da facilidade. Tolero, aceito e compreendo, mas acho que ela amolece o caráter e as pessoas assim formadas têm menos fibra para enfrentar as adversidades da vida no futuro. E as adversidades sempre aparecem, por mais soluções fáceis que queiramos encontrar.

Eu uso a internet, o delivery e outras facilidades modernas, mas sinto falta do culto à força de vontade e assisto alarmado à sua desvalorização no mercado das qualidades fundamentais. Me entristece o desdém dos mais jovens quando resolvo fazer um trajeto à pé em vez de seguir de carro ou tomo outra decisão que implica algum esforço, quando há aparentemente uma saída melhor, como se não a enxergássemos. Eu enxergo. Os jovens é que não entendem uma coisa essencial. Assim como o corpo, para permanecer forte o caráter precisa de ginástica.

Da mesma forma, lamento que pareça estranho hoje recusar o dinheiro fácil, sobretudo o obtido de formas escusas. É o outro lado da mesma moeda. Por quê trabalhar, dar duro, suar a camisa para ganhar dinheiro honesto, quando há outras maneiras de "se dar bem na vida"? A cultura da facilidade é também a que nos leva a destruir outros princípios morais que antes tinham grande valor e leva à degradação social.

O mundo tem dinossauros e eu sou um deles, é verdade. Mas não vou esperar o dia em que alguém diga: “o velho tinha razão”. Provavelmente esse dia nem virá. Para mim, é suficiente gostar do jeito que nós dinossauros somos, como nos formamos – e lamentar que isso não tenha sido suficiente para fazer com que esse comportamento se replicasse na vida contemporânea, que valores importantes tenham se perdido, talvez definitivamente, levados pelas tecnologias que impulsionam o mundo, mas atrofiam o ser humano.

Eu gosto de pensar que o esforço ainda é válido, efetivo e nobre. Eu gosto de ter feito grandes esforços na vida, mesmo aqueles que não foram recompensados, porque é disso que a vida é feita. Eu gosto de pensar que a vontade tem grande força. Que, quando queremos alguma coisa, muito, e trabalhamos para consegui-la, com ou sem talento, podemos alcançá-la.

Para mim, a força de vontade, mais que o talento, é a fonte de tudo o que temos e a grande esperança do ser humano. Para mim, honestidade, força de vontade e trabalho nunca serão coisa de velho. Ao menos num mundo onde os jovens queiram ter algum futuro.

A rebeldia fundamental


Por que quebrar as regras faz bem à saúde


A rebeldia é um comportamento intolerado, talvez porque a maioria das pessoas não goste do imprevisto, como se sair do padrão fosse primeiro má educação e, de forma mais radical, um perigo para a sociedade. Quebrar regras parece ameaçador para muita gente que aparentemente não gosta de liberdade, ao menos da liberdade dos outros.


Apesar disso, a rebeldia está em todos nós – mesmo dentro do mais intransigente dos seres humanos, razão pela qual em geral os intransigentes se tornam hipócritas. Podemos agir socialmente, dentro das regras, mas precisamos desse recurso essencial ao menos de vez em quando para não enlouquecer. Precisamos, sim, quebrar as regras, como a casca do ovo – e respirar, e crescer. Mesmo aqueles que não o admitem. A rebeldia faz bem à saúde. Quem nunca sai dos trilhos vai fenecendo até sumir.


Em todos nós e em toda parte, a rebeldia se manifesta das mais diferentes formas. Está no bebê que cospe a chupeta, e também no que chora, pedindo por ela. Pode ser vista nas pequenas coisas do dia a dia e nas grandes também. É o fuindamento tanto do comportamento di[ario do adolescente quanto das revoluções.


Seja na atitude do menino que se nega a arrumar a cama ou na queda da Bastilha, a rebeldia é por excelência uma atitude individual, que nasce no íntimo do ser humano. Parente do inconformismo, ela é o motor do mundo, pois sem a vontade de quebrar as regras, inventar coisas novas, pensar diferente, fazer de outro modo, ainda usaríamos peles de urso e os homens arrastariam as mulheres pelo cabelo dentro de cavernas.


A rebeldia é necessária, para que as grandes transformações tomem forma e passem do indivíduo para história, seja como resultado de uma manifestação individual ou catarse coletiva.
O ser humano sequioso de mudança, questionador, inquieto, é o motor do mundo. Por isso a classe dos epnsadores, apesar de sua aparente inutilidade, é tão importante: todo progresso começa pelas idéias, ou pela mobilização dos sentimentos que nos levam a mudar. É verdade que há muitos rebeldes que apenas causam confusão, sem contribuírem para progresso algum, mas não há como impedir esse mal, sob pena de coibirmos junto o bem que a liberdade mais rebelede pode trazer.


O homem sequioso de mudança, que lhe dá a própria sensação da vida, a esperança de um destino melhor, ainda que transitória, é um mártir de si mesmo. Vivendo em turbulência, está destinado a nunca ter paz. A tranquilidade parece traduzir uma vida estacionária, gerando insatisfação; a rebeldia traz a sensação de movimento, mas nos lança num círculo interminável em que nunca é o bastante e o fim jamais é alcançado.


Por isso muita gente não consegue ser rebelde a vida inteira, ou o tempo todo. Às vezes, mesmoo mais rebelde precisa de um descanso, breve intervalo até que suas moléculas começam novamente a se agitar. A idade também aplaca a rebeldia para permitir uma velhice mais tranquila. Mas quem já foi rebelde nunca deixa de sê-lo completamente. A rebeldia é aquele sorriso no canto dos lábios que ainda podemos ter, mesmo presos pela velhice ao leito de morte.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Amores de mãe


Uma certeza com muitas dúvidas em O Contador de Histórias

Fui assistir a O Contador de Histórias, de Luiz Villaça, mais um sinal de vida na ressurreição do cinema brasileiro da qual podemos nos orgulhar. É um filme com todos os ingredientes que se pode esperar: instigante, divertido, interessante, bem feito. E é bonito, isto é, emociona.

Para mim, o mais interessante de O Contador de Histórias são as reflexões que desperta sobre o amor de mãe. Pois esse sentimento, tido para muitos como a coisa mais absoluta da vida, já que segundo o ditado popular “amor de mãe não se discute”, mostra quantas dúvidas podem viver dentro de uma certeza. E quanta certeza por haver dentro de uma dúvida.
O menino deixado pela Febem pela mãe sem condições de criá-lo, na esperança de que na instituição poderá encontrar uma vida melhor - ou a vida que ela não poderia lhe dar – passa por uma experiência que de certa forma entendemos todos nós. Bem que ele teria preferido ficar em casa, próximo do amor da mãe. Mas a confirmação por parte dela de que estava certa – e de que ele se saiu melhor longe do que perto – deixa no ar esse sentimento de que um amor desapegado, ou desesperançado, pode ser tão grande, ou ainda maior, que o amor que costumamos chamar de amor.
A mãe do menino contador de histórias amava menos o seu filho por tê-lo abandonado? O que parecia ser uma resposta óbvia, no final, termina com uma interrogação. O que nos faz pensar também se o amor da mãe que protege é também o melhor amor.
Talvez não exista amor perfeito, nem mesmo o de mãe. O amor assume formas que ao mesmo tempo nos confortam, nos dão esperança, e também ferem. Essa separação sempre acontece, de alguma forma, e jamais a aceitamos completamente. Mesmo quando ela é voluntária. Ou quando é obra do destino.

O sentimento de abandono de qualquer filho quando a mãe o joga para o mundo não tem tempo – pode acontecer quando temos dois, cinco ou vinte anos de idade. Eu, que perdi minha mãe ano passado, descobri que podemos nos sentir abandonados pela mãe várias vezes ao longo da vida e mesmo depois da maturidade. Amor de mãe é uma história de abandonos, até que a partida da vida, seja da mãe, seja do filho, se torna o abandono final e –e sempre uma bonita história, quer dizer, capaz de emocionar.

Realismo feito de sangue


The Strain (ed. William Morrow, U$26.99, 401 pág.)

É difícil explicar de onde vem a fascinação humana pelo sangue – e tampouco pelo medo, que transformou os filmes e livros de terror num gênero tão popular quanto as histórias de amor. É certo que esse magnetismo macabro começa na adolescência, fase em que o ser humano começa a entrar em contato com a excitação do perigo de forma imaginária – para muita gente, ela não acaba nem na vida adulta. Também é certo que não há nenhuma versão mais rica e aparentemente inesgotável no filão das histórias de terror quanto o vampirismo, fórmula que se renova com a mesma facilidade com que a clássica figura do Conde Drácula se levanta do caixão, como se nascesse de novo a cada noite.


Essa atração pelo sangue é que move Guilllermo del Toro, um aficcionado das histórias de terror que conseguiu transformar sua obsessão adolescente num negócio lucrativo como diretor de cinema e, agora, na ficção literária, também com todos os ingredientes para um futuro filme. Nascido em 1964, em Guadalajara, no México, Del Toro acaba de escrever em parceria com o escritor e roteirista de cinema americano Chuck Hogan o primeiro volume do que se anuncia como uma trilogia: The Strain (“Tensão”), que está sendo publicado nos Estados Unidos pela editora William Morrow (U$26.99, 401 pág).

Del Toro pode ser considerado um mestre do terror contemporâneo, com a ajuda que os recursos hiper-realistas da era digital podem dar aos seus filmes sedentos de sangue. Em The Strain, ele ressuscita o velho vampirismo com um enredo que tem tudo de roteiro cinematográfico e adicionado ao hiper-realismo. Esse efeito é obtido com uma riqueza de detalhes e um enquadramento tão perfeito na vida contemporânea que a multiplicação de vampiros entra quase como uma consequência natural da vida de hoje.

A partir da descoberta de que todos os passageiros de um avião pousado no aeroporto JFK, em Nova York, estão mortos – mas uns tão mortos quanto os outros -, o leitor pouco a pouco é levado a envolver-se com a história de uma ameaça em escala mundial, graças à transmissão de um virus vampirizante, cuja origem está na lenda de um misterioso conde, alto, bonzinho, meio esquerdo e misteriosamente desaparecido chamado Sardu.

Hoje a ameaça dos virus é uma grande paranóia mundial - vide a disseminação do receio da gripe suína, por acaso, vinda também do México, onde a tendência ao exagero e à mistificação parecem ser parte da índole nativa. Del Toro sabe disso – e trata de misturar esse medo contemporâneo à mais clássica e proverbial das paúras, nascida desde o tempo em que os pobres aldeões da Romênia olhavam para os sombrios castelos medievais e diziam com seus botões que algo de bom não podia sair daquelas silhuetas sinistras.

Del Toro não é um versátil especialista novato no mundo do terror. Começou sua carreira nos anos 1980 com uma empresa batizada de Necrofia, onde prestava serviços de maquiagem para filmes do gênero - trabalhou, por exemplo, para Dick Smith, de O Exorcista. Sua obstinação no tema o levou a dirigir o primeiro filme em 1993. Cronos é a história de um antiquário que adquire a eterna juventude graças a um achado entre os objetos de sua loja. O preço secreto disso, porém, é que ele se torna um vampiro.

Com Cronos, roteiro original assinado por ele mesmo, Del Toro obteve sucesso imediato. Não apenas ganhou os principais prêmios do cinema mexicano como levou s prêmios de crítica e público em Cannes e recebeu uma indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Catapultado pela fama em uma indústria sedenta por talentos para o entretenimento, estreou em Hollywood em 1997 com Mimic (Mutação, em português), no qual colocou Mira Sorvino como protagonista no combate de uma criatura geneticamente modificada para matar baratas e que acaba virando uma ameaça para toda Nova York.

Del Toro prosseguiu na seara com A Espinha do Diabo (2001), produção espanhola de Pedro Almodóvar , a sequência de Blade (2002), com Wesley Snipes incorporando o velho caçador de vampiros, a adaptação para o cinema da graphic novel Hellboy e o Labirinto do Fauno, sucesso de público e crítica, com três indicações ao Oscar, ambientado na Espanha franquista. Agora, prepara a filmagem de O Hobbit, romance que precedeu O Senhor dos Anéis na obra de Tolkien.

Fã de Alfred Hitchcock na infância, ele cultiva como o velho mestre uma forma de aparição em todos os seus filmes: católico praticante, em algum momento, coloca neles imagens de santos de sua coleção particular. Fiel à sua obsessão, é meticuloso e não abre mão de fazer apenas o que gosta. Já possuiu uma empresa própria, a Tequila Gang, e transita bem tanto como produtor alternativo como entre os grandes estúdios de Hollywood. “Ter opções é uma das chaves para ser desobediente”, afirma.


The Strain possui, claro, aquela esperada série de chavões que fazem a delícia dos amantes do gênero – um milionário que deseja a imortalidade a qualquer preço, Manhattan como cenário inicial da ameaça mundial, aquela mulher sedutora que uma com mordida se transforma em atração letal. Como nos romances e filmes de James Bond, as histórias de vampiro são um gênero em que o leitor sempre sabe mais ou menos o que vai encontrar – o que nesse caso é sinônimo de diversão garantida.