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terça-feira, 20 de dezembro de 2016

A tragédia brasileira


A palavra "tragédia" vem do seu original grego, trag-oidos, que quer dizer "o canto do bode". Isto porque, na Grécia antiga, o teatro saiu das antigas festas, onde os participantes cantavam e dançavam fantasiados de sátiros, homens com pernas peludas, patas e chifres de bode, símbolo masculino da depravação. Até que Téspis teve a idéia de colocar um "ator" para dialogar com o coro. Assim surgiu o teatro, que os grandes dramaturgos gregos como Ésquilo carregaram com as máscaras e conteúdo dramáticos. Daí a tragédia ganhou a conotação de catástrofe humana, no sentido mais amplo, como a entendemos agora.

Tudo isso para dizer que 2016 foi o ano de glória da tragédia brasileira. Como a tragédia grega, começou como festa: a lambança patrocinada pelo PT, seja com a distribuição descontrolada de benefícios à população carente, gerando uma bolha econômica de estouro previsível, seja com o saque puro e simples do erário para encher a burra do partido, de seus associados e um grupo seleto de empresários que, assim, acabaram todos atirando no próprio pé.

O conjunto da obra resultou na bancarrota do Estado brasileiro e na geração da crise que contabilizou já este ano cerca de 13 milhões de desempregados, para ficar no número até agora quantificável. Enquanto o povo estava satisfeito com com sua parte do butim, o governo corrupto continuou popular. Agora, na crise absoluta, os brasileiros vibram cada vez que vai um para a cadeia. Mas não há o que comemorar, nem como vingança.

A conta gerada pelos inconsequentes vai levar tempo para pagar. O governo do PT caiu, mas a tragédia não se encerrou aí, porque caiu o PT, mas ficaram os seus sócios. Num governo que em um breve tempo já teve um bom pedaço de seu ministério defenestrado também por corrupção, o novo presidente Michel Temer carrega as denúncias que pesam contra ele e seu partido, o ônus do desastre financeiro deixado pela antecessora e a falta de credibilidade de quem chegou ao poder no mesmo navio cujo naufrágio ajudou a patrocinar.

Parece outro governo, mas é apenas o monstro cuspido de dentro do antigo monstro. A tragédia brasileira promete ser duradoura. As reformas levadas adiante por Temer são muito questionáveis em todos os sentidos. Quer se reformar a previdência, jogando a conta para contribuinte, mas se escamoteia o fato de que o dinheiro da conta social é usado para tapar outros buracos. O teto nos gastos, a chamada PEC, não parece ser a solução para impor a disciplina fiscal.

Por fim, é verdade que a Justiça afinal começou a fazer seu trabalho e passou a colocar corruptos e corruptores na cadeia, mas até agora não existe nenhuma iniciativa para normatizar os financiamentos de campanha e reconstruir as instituições onde já se provaram espúrias.

A tendência é a paralisação do país em todos os sentidos, algo grave num país já abalroado seriamente pela crise.

Nem mesmo eleições diretas, que poderiam ser convocadas em caso de impedimento do atual presidente, parecem uma solução útil neste momento conturbado. Não existe no cenário uma liderança capaz de colocar o Brasil nos trilhos. Os caciques do PSDB, o partido de oposição, também estão em xeque, acusados de financimento escuso de campanha. Sobretudo, não existe um programa sólido para a reconstrução. Que aponte não apenas o corte e limitação de gastos, como redefina o papel do Estado brasileiro e volte a dar oxigênio para o nosso destrambelhado capitalismo.

A redefinição do Estado que se pede é orientadora do futuro: um governo que seja social de fato, investindo em educação, saúde e segurança nos seus três níveis, federal, estadual e municipal. Uma democracia de mãos mais limpas, com transparência na origem e finalidade do dinheiro, e que inviabilize a prática de financiar candidatos com o próprio dinheiro público que eles repassam a seus financiadores privados. O círculo vicioso que perpetua no poder a parcela mais retrógrada da elite brasileira.

E isso tem de ser feito num clima de reconstrução. É preciso um grande líder para realizar uma tarefa que, agora, quando se começa tarde demais, se tornou hercúlea.

Tragédias por definição sempre terminam mal e sempre podem ir mais fundo. Elas existem desde a Grécia antiga porque o espírito trágico está no próprio espírito humano. Os autores da festança estão indo para a cadeia, mas as consequências trágicas dos seus ruinosos interesses são para todos nós. Nossa é, portanto, a tarefa da reconstrução. Que venha 2017.

domingo, 29 de novembro de 2015

A vitória de Lula que não aconteceu

Em 1989, o Brasil foi tomado de norte a sul pelo maior movimento cívico da história do país: a campanha eleitoral para presidente da república por via direta pela primeira vez depois de trinta anos.

Havia no ar não apenas a restauração plena da democracia como um certo clima de messianismo. O presidente eleito pelo povo teria a complicada missão de salvar a economia, mergulhada em recessão profunda e abalroada por uma inflação que chegaria a quase 90% - ao mês.

Na campanha, todas as forças que saíam do período da ditadura estavam representadas. Estavam ali como candidatos Ulysses Guimarães, pilar central da campanha pelas diretas; Paulo Maluf, candidato alinhado com as antigas forças da ARENA, que disputara a eleição indireta com Tancredo, anos antes; Leonel Brizola, o velho caudilho do trabalhismo.

E havia o "novo": Lula, emergente do movimento sindical e do PT, e Fernando Collor, então um jovem egresso do governo alagoano, conhecido como "caçador de marajás", expressão cunhada na reportagem da revista Veja sobre sua atuação no governo alagoano, que transparecia como um político mais liberal, de origem conservadora, mas com um lustro dinâmico e modernizador.

Foi o evento mais importante da política brasileira talvez de todos os tempos e eu estava em posição provilegiada, como editor de assuntos nacionais da revista Veja, então o principal veículo impresso de circulação nacional.

Pela importância do momento, decidiu-se que, além de fechar a seção, com a cobertura completa das eleições, eu seria destacado para cobrir também a campanha de Lula, que chegou à disputa do segundo turno com Collor e reuniu ao seu redor todas as forças de centro-esquerda. O jornalista Eduardo Oinegue, então chefe da sucursal de Veja em Brasília, seguiria Collor.

Sem sabermos quem iria ganhar, numa disputa que seria bem parelha, trabalhamos em duas matérias completamente opostas: um perfil de Lula vencedor, a ser escrita por mim, e outro de Collor, cuja reportagem seria feita por Oinegue.

A cobertura completa da eleição incluiu pelo menos uma matéria ampla sobre cada candidato. Sobre Brizola, escreveu Arlete Salvador, que também trabalharia no perfil de Marisa, mulher de Lula; Maluf foi perfilado por Denise Chrispim Marim; e assim por diante. A equipe incluía também outros grandes jornalistas, como o repórter Expedito Filho, um especialista em circular pelos bastidores de Brasília.

Foi um período de muito trabalho, em que só o entusiasmo do momento e a juventude explicam a resistência para encarar aquele pique. Eu entrava na redação na quinta-feira às 11:00 para começar a fechar a seção de Nacional. Saía do fechamento às 5 da manhã de sexta-feira. Dormia um pouco e às 11:00 da sexta-feira estava de volta à redação de Veja, no edifício da Marginal do Tietê. Saía novamente por volta das 10:00 da manhã de sábado, praticamente um zumbi, e tomava o avião às 2 da tarde para onde Lula estivesse em campanha.

E a campanha era dura. A caravana de Lula começava sempre muito cedo e corria o Brasil inteiro. Certos dias, ao acordar, precisava olhar o cinzeirinho do hotel na cabeceira da cama para me dar conta de onde estava.

Houve grandes momentos, do comício em Osasco, no qual Lula levou uma ovada na cabeça, e subiu ao palanque para fazer um belo discurso do preconceito do trabalhador contra o próprio trabalhador, ao comício de Salvador, que assisti de um apartamento envidraçado debruçado sobre o farol da Barra, que parecia se mover sob o mar de bandeiras vermelhas do PT, ao lado do fotógrafo Antonio Ribeiro.

Para mim, o momento mais especial ocorreu quando consegui o que nenhum outro jornalista teve durante todo o segundo turno de campanha: uma entrevista exclusiva com o candidato. Depois de muito chorar, consegui uma hora de entrevista com Lula, dentro do carro, no trajeto entre São Paulo e São Bernardo, onde ele ocupava o sobrado de um amigo empresário para descansar da campanha.

O que mais me chamou a atenção na conversa foi entender a perspectiva de Lula quando lhe perguntei como se sentiria se virasse mesmo presidente da República, algo que realmente parecia já muito perto de acontecer. "Para mim, foi muito mais difícil sair do sertão para São Bernardo", disse ele.

Saído da miséria, Lula tinha em conta que havia uma distância muito maior entre um excluído é o metalúrgico, um trabalhador qualificado, um cidadão, com direito a colocar filho na escola, ter uma casa e beber sua cerveja no fim de semana, do que qualquer cidadão virar presidente. 

No final, bem no finzinho, Lula perdeu a eleição. O perfil que escrevi dele chegou a ser composto, como comprovam cópias que guardei da matéria que nunca saiu. Abaixo, reproduzo a reportagem integral, com o perfil de Lula, recheado de informações até hoje relevantes sobre o homem que esperaria ainda três governos até finalmente realizar a profecia do título, referência ao "Lula-lá", trilha sonora da campanha.

Ironia, a cobertura traria ainda a matéria sobre Collor derrotado e um perfil de Marisa como primeira-dama. Abaixo, a reportagem que foi publicada, de Collor vencedor, que fechei com o mesmo prazer com que teria fechado a minha própria. Um grande momento para nós de Veja, que com nossa cobertura das eleições ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo Político daquele ano. E para o Brasil, que voltou novamente a olhar com esperança para o futuro.


A capa que não saiu






A "derrota" de Collor





Marisa: ainda seria verdade.




A matéria publicada