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quarta-feira, 30 de julho de 2014

O que mudou no futebol - e a seleção não entendeu



O que mais impressionou na última Copa do Mundo foi a compleição física dos jogadores de todas as seleções, destacada pelas camisas colantes, que fizeram a alegria da torcida feminina. Com a ajuda dos computadores, ficamos sabendo que os atletas corriam entre 8 e 13 quilômetros por partida. É mais ou menos o que corre um maratonista, dentro do tempo de uma partida de futebol.

O desenvolvimento físico dos atletas fez o jogo se tornar mais dinâmico. É preciso passar a bola rápido, porque com a capacidade física aumentada, o adversário chega mais depressa para tomar a bola ou se antecipar. A bola tem de sair mais forte - no time da Alemanha, cada passe parecia parecia mais um chute a gol.

Com a transformação dos jogadores em atletas olímpicos, diminuíram os espaços em campo. Com isso, além da velocidade da bola para o passe, uma jogada que havia algum tempo andava desaparecida do futebol começou a retornar: a tabelinha. É preciso tocar a bola rápido e tramar em jogadas curtas para se livrar da floresta de adversários que rapidamente recompõem a defesa. O futebol de campo se aproximou do futebol de salão, onde os espaços são exíguos.

Esses são os elementos principais que faltaram ao futebol brasileiro, que caiu diante da Alemanha não apenas por falência psicológica. Caiu, e feio, porque os alemães jogaram um futebol adequado às condições do esporte hoje. A maioria dos gols alemães veio de trocas rápidas de passe. Os gols alemães e o próprio resultado do jogo foram de futebol de salão, um esporte que os brasileiros inventaram. Mas não percebemos sua importância no futebol de campo de hoje.

O Brasil jogou um futebol mecânico e antigo, pesado na defesa e lento na retomada do ataque. Com tempo para se fechar, os adversários dificultaram a ação dos nossos atacantes. O Brasil não precisa apenas se reerguer moralmente. Temos de entender que nós inventamos as qualidades que são necessárias no futebol moderno e voltar a praticá-las. A troca de bola em espaço curto, o drible, a troca rápida de passes sempre foram características do futebol brasileiro. E hoje vemos isso mais nos times europeus que no Brasil.

Gareca, o técnico argentino do Palmeiras, disse aos jogadores argentinos que está trazendo para o clube que se darão bem no futebol brasileiro, porque aqui os adversários dão muito mais espaço para jogar. O técnico da Fiorentina, Vincenzo Montella, que veio disputar um amistoso com o próprio Palmeiras no Brasil, disse o mesmo. Não é coincidência. Eles observam. E têm razão. Graças a técnicos incapazes de enxergar o que está acontecendo, esquecemos de jogar o nosso próprio futebol. Assistir aos jogos do Brasileirão, depois da Copa, virou uma chatice. Parece que as partidas são em câmera lenta.

Dar espaço na defesa e subir sonolentamente para o ataque são a antítese do futebol moderno, nestes tempos em que qualquer jogador poderia estar disputando a prova de 100 metros rasos ou a meia maratona. Ou o Brasil enxerga isso, ou continuaremos a ter dificuldades diante de seleções que sempre foram menores, como Chile e México, e apanharemos feio daqueles que, além dessa dinâmica, possuem também algum talento.

A Copa não foi apenas uma lição moral. Temos de aceitar que foi também uma aula de futebol.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

As coisas podiam ter sido diferentes



Você acredita em teorias da conspiração? Eu não, mas fico pensando no que teria acontecido se as coisas tivessem sido diferentes.

Se a Fifa não tivesse trocado o critério da formação das chaves, colocando como cabeças-de-chave seleções como Colômbia e Bélgica, será que os times mais fortes e tradicionais como Itália, Espanha, Uruguai e Alemanha ficariam todos amontoados do lado do Brasil, como aconteceu? Será que o Brasil pegaria a Alemanha na semifinal? E se com outro chaveamento pegasse a Alemanha somente na final, as coisas não poderiam ter sido diferentes?

Se a Fifa tivesse examinado os vídeos e advertido os juízes de que os adversários estavam procurando quebrar Neymar no primeiro lance de cada partida, será que não teria havido jogadores advertidos ou expulsos? Será que Neymar teria ido parar no hospital?

Se a Fifa tivesse sido tão rigorosa com o jogador da Colômbia que tirou Neymar do futebol, como foi com Luizito Suárez, não daria menos a impressão de ter sido leniente com o que fizeram com o jogador brasileiro? Se Neymar tivesse jogado a semifinal, as coisas não podiam talvez ter sido diferentes?

Se a Fifa tivesse punido o lateral da Colômbia, ou jogadores da França que aplicaram diretos no queixo contra adversários, será que ainda estaríamos com essa impressão de que a Fifa agiu precisamente para tirar Luizito e o Uruguai da Copa?

Se fossem coibidas essas rodas de apostas milionárias, em que um sheik árabe ganhou 2 bilhões de dólares (repito, 2 bilhões) por apostar que o Brasil perderia de 7 a 1 para a Alemanha, não teríamos menos razões para temer a circulação de malas pretas vultuosas para jogadores?

Se não fosse permitida tanta influência dos interesses comerciais em jogo, com agentes e grandes patrocinadores por trás de cada jogador, das seleções e da própria Fifa, poderíamos ter mais certeza da lisura no esporte? As coisas não seriam diferentes?

Se os cambistas que vendiam ingressos no mercado negro não estivessem hospedados no Copacabana Palace, o mesmo dos diretores da Fifa, não teríamos menos essa impressão de que a entidade tem algo a ver com isso?

Os jogadores do Peru confessaram ter recebido mala preta para perder em 1.978 para a Argentina, que precisava de quatro gols para tirar o Brasil e vencer a Copa em seu próprio país. Nesse jogo, a Argentina fez seis. Foi uma das maiores goleadas da história das Copas. Se a Fifa tivesse mandado investigar o caso e punir criminalmente quem foram os subornadores, teríamos ainda essa sensação de que coisas estranhas acontecem com a sua complacência?

Se o Brasil tivesse feito a mesma coisa que a Argentina em 1.978, as coisas teriam sido diferentes?

quinta-feira, 10 de julho de 2014

O Brasil não sabe perder



A fragorosa derrota para a Alemanha na semifinal da Copa do Mundo, por inimagináveis 7 a 1, serviu como um bom exemplo do maior problema do país: o Brasil não sabe perder.

O motivo é um só. Fazemos alta conta de nós mesmos, dormindo em berço esplêndido num país de grande potencial, e não aceitamos nada menos que nossos sonhos de grandeza e de vitória. Por décadas, compensamos nossa frustração com as mazelas do país com aquilo em que nos achamos bem sucedidos. E o fato é que não sabemos perder tanto num campo como no outro, o da vida e o do futebol.

O resultado da Copa foi de vitórias e fracassos. Organizamos uma boa Copa, com belos estádios e bom futebol. Aconteceram coisas muito graves, como o superfaturamento dos estádios, e incidentes que falam muito mal a respeito do nosso país. Morreu um jornalista argentino de 38 anos, atirado para fora do táxi ao ser abalroado por um veículo roubado, perseguido pela polícia. Durante a festa, caiu um viaduto em Belo Horizonte. Isso, porém, vai ficar embaixo do que até parece um desastre maior: o vexame da seleção, levando uma goleada histórica dentro de casa.

O Brasil acha que tem de ser sempre grande, e reage mal à derrota, negando seus males e sua responsabilidade. Uns fazem piada, e somos prolíficos nisso. (A minha preferida, foi de um internauta que diz só assistir o UFC, porque lá o juiz pelo menos interrompe tudo quando alguém está apanhando muito). A outra reação tipicamente brasileira ao insucesso, refletida na imprensa brasileira, é criticar tudo na derrota, com a marca da maldade, nesse caso cravada nos jogadores e na comissão técnica.

O brasileiro gosta de ironizar, falar mal e jogar a culpa sobre as nossas mazelas nos políticos, quando se fala do país, e nas derrotas esportivas sobre o técnico ou algum outro bode expiatório. O derrotado, no Brasil, fica marcado a fogo, como o velho e falecido Barbosa, goleiro da seleção de 1.950. Foi triste ver os jogadores da seleção, ao final do jogo, sem saber o que fazer: se saíam de fininho, ou agradeciam a torcida que os apupava e procurava afugentar como um bando de cachorros sarnentos. Não foram só os jogadores, porém, que perderam. Quem perdeu foi o Brasil.

Assim como o povo brasileiro, em campo os nossos jogadores demonstraram que não sabem perder. E, dessa forma, não sabem também ganhar. Por isso, não surpreendeu o choro depois da sofrida vitória nos pênaltis diante do Chile. Os atletas brasileiros mostraram aí o quanto faltava estrutura psicológica para enfrentarmos as dificuldades de uma Copa dentro de casa. Jogaram a responsabilidade para a torcida, denunciando uma grande "pressão". A torcida não tinha culpa de torcer, ou de cantar o hino, ou de cobrar vitória, ou lançar emoção nas partidas. E os jogadores não podiam ter desmontado daquela forma, como se a Copa tivesse acabado no dia do Chile. Para nós, o sonho de vitória, pressentia-se, terminava mesmo aí. E de fato apenas ganhamos uma sobrevida, com a imerecida vitória contra a Colômbia. Porque contra a Alemanha nem chegamos a jogar.

Qual é o problema do nosso aparente antipatriotismo, da nossa mania de falar mal de nós mesmos, da nossa recusa em olhar para nossos erros? É que, jogando sempre a culpa nos outros, não aprendemos nada com as derrotas. Esta Copa foi cheia de lições de futebol e também para o país. O brasileiro parece ser brasileiro apenas antes do jogo e, depois, na vitória. Não sabe ser brasileiro na hora de levantar a poeira e dar a volta por cima. A Espanha, última campeão do mundo, levou uma biaba tão feia quanto a nossa nesta Copa, ao ser goleada pela Holanda, mas não levou a derrota tão fundo na alma. Mas a Espanha é um país de primeiro mundo, sem esses complexos que o Brasil gosta de carregar para aliviar o peso da frustração consigo mesmo.

Qual é a realidade que temos de encarar, o que temos a aprender? O Brasil perdeu porque se preparou mal. Os alemães mantiveram um time que já tinha ido bem na Copa anterior e, eles sabiam, precisava ainda amadurecer para vencer. E amadureceu. Manteve os jogadores, um técnico jovem e técnicas de preparação que incluiu desde softwares sofisticados a aulas de ioga e relaxamento. Construiu um centro de treinamento próprio na Bahia. Os alemães pensam no longo prazo e criam tijolo sobre tijolo as condições para a vitória.

Já nossa seleção primou pela falta de estrutura, mesmo numa organização rica como a CBF. Descobrimos, no jogo contra o Chile, que os jogadores não dispunham nem mesmo de acompanhamento psicológico. Uma psicóloga foi chamada às pressas para tentar reerguer o moral da equipe. O que se conseguiu foi um remendo, que rasgou completamente assim que o Brasil tomou o primeiro gol alemão.

Felipão gosta de bancar o paizão, mas sua especialidade não é a psicologia. Com a caricatural macheza gaúcha, chegou a ventilar um mal estar interno ao dizer que se arrependera de convocar um dos dos 23 jogadores, uma maldade tão gratuita quanto inútil e contraproducente dentro de qualquer equipe. Felipão também não sabe perder. Deixou a responsabilidade da derrota para os jogadores, atribuindo-a ao "apagão" no qual levamos gols em sequência. E escamoteou o fato de que o Brasil se preparou mal tecnicamente.

A CBF, representada por José Maria Marin, um político sem nenhuma expressão, confiou demais na experiência de Felipão e Parreira, dois técnicos campeões, mas já ultrapassados. Felipão não soube armar a equipe no início e piorou diante das dificuldades que foram surgindo e exigiam inteligência e ação. Por sua vez, o técnico confiou demais na equipe que ganhou a Copa das Confederações, sem rever as peças que andavam mal, como Fred e Paulinho. E não soube o que fazer quando perdeu dois de seus mais importantes jogadores: Neymar, que levava o ataque sozinho nas costas, enquanto esteve jogando, e Thiago Silva, que com David Luiz vinha não apenas salvando a defesa, apesar do desempenho desastroso dos laterais, como ainda ajudava o ataque. É bom lembrar, foram os zagueiros que marcaram os dois gols na vitória contra a Colômbia.

O Brasil não soube lutar dentro e fora de campo. Neymar foi perseguido em todos os jogos, até o lance criminoso que o tirou da Copa e do futebol por um bom tempo. Em todas as partidas, recebeu no primeiro lance uma pancada dura como "cartão de visita". Em nenhum desses lances, o jogador adversário recebeu o cartão amarelo, ou sequer uma advertência, assim como na entrada em que o craque brasileiro foi literalmente quebrado ao meio.

Jogamos contra os adversários em campo e a Fifa fora dele. Pelos critérios adotados pela entidade, a maioria dos times de tradição em Copa do Mundo ficaram no lado da chave aonde estava o Brasil. A designação dos cabeças de chave segundo um ranking formulado pela própria Fifa, com Colômbia e Bélgica à frente de grandes forças, é uma forma evidente de manipulação ou de indução aos resultados. Não era difícil imaginar que Argentina ou Holanda chegariam à final. Não fossem algumas zebras, o Brasil poderia já ter sido eliminado antes, no cruzamento com a Espanha ou o Uruguai.

O Brasil também se dobrou a exigências absurdas, como expulsar do país um jogador (Suárez) que nem sequer foi expulso de campo, por normas de uma entidade que ocupa o país-sede com leis próprias e sua periferia de encrencas, incluindo cambistas que habitam o mesmo hotel aonde se hospeda sua suspeita diretoria.

O Brasil precisa parar de falar mal de si mesmo e trabalhar de forma construtiva. Reconhecer os erros e entender o que aconteceu é a única forma de construir um futuro melhor, e não falo apenas do futebol.

E eis a verdade: o Brasil não fez nenhum jogo nesta Copa de encher os olhos. Deixamos de mostrar força fora de campo, em defesa do nosso talento, de maneira que os árbitros continuaram a permitir a caçada a Neymar, impunemente. Viramos as costas para o fato de que a Copa é um jogo cheio de interesses, dos altos apostadores que hoje usam a internet para ganhar dinheiro aos patrocinadores capazes de transformar em marketing até mesmo os votos de solidariedade de colegas a um companheiro machucado.

A Copa é um jogo viciado, mas o Brasil até poderia ganhar, com outra postura. O Brasil quer ser sempre grande, mas precisa agir grande, para voltar a vencer. Com realismo no olhar sobre si mesmo e inteligência na preparação.

*
Acabo de terminar um livro sobre a descoberta do Brasil, e a Copa me ajudou a ver que somos assim desde sempre. Nossa mania de grandeza vem de longe, assim como nossa omissão na solução dos problemas que nos separam da grandeza real. Essa vocação para reclamar de tudo sem olhar para o próprio umbigo está na raiz do povo brasileiro. Nelson Rodrigues estava errado. O complexo de vira-lata não acabou com o Brasil campeão e copeiro. Ainda está aí, vivo, pungente a cada derrota transformada por nós, como na letra do hino que gostamos tanto de cantar quando ainda estávamos acreditando, em fracasso retumbante.





segunda-feira, 30 de junho de 2014

Não é hora de chorar



O goleiro Júlio César chorou porque pegou os pênaltis que salvaram o Brasil contra o Chile. David Luiz chorou porque fez gol. William, porque chutou seu pênalti para fora. Thiago Silva, o capitão, que deveria ser um exemplo em campo, também chorou e avisou que pênalti ele não bate. Felipão chorou porque... Bem, não sabemos porque Felipão chorou, mas ele, como comandante da seleção, é quem devia ter mais estrutura emocional. E transmitir serenidade aos jogadores.

Desse jeito, a seleção acabará chorando até para bater um escanteio. O Brasil tem todo tipo de recurso, menos um psicólogo para acompanhar os jogadores na tarefa de vencer a pressão por vitória dentro do Brasil. Que erro elementar.

Deixaram os jogadores transformarem a Copa numa catarse psicanalítica. Na Tv, vemos toda a história da remissão de Júlio César, chorando porque levou um frango na última Copa, ficou sem clube e teve que treinar com o filho para ter sua "segunda chance". Thiago Silva chora ao trocar cartas com a mãe relembrando o passado pobre e a tuberculose. E assim por diante. Todos resolveram deitar no divã agora que a competição está chegando à fase decisiva.

Os nossos craques não são coitados. São profissionais milionários com carreiras bem sucedidas e muitas decisões no currículo. Coitados são os brasileiros que não têm dinheiro nem para um churrasco e sofrem pela seleção diante da Tv paga à prestação. Espera-se dos jogadores da seleção que sejam o que são: homens e profissionais pensando em ganhar o jogo, e não crianças em meio a um pesadelo coletivo.

A seleção precisa se reestruturar emocionalmente. Sim, a pressão é grande. Até Neymar, que joga como se estivesse sempre numa pelada em Santos, já chorou antes mesmo de entrar em campo. Mas é futebol, afinal. Eles sabem o que fazer com a bola, melhor do que ninguém. Espero que já tenham chorado o que tinham de chorar e voltem a ser o que somos: campeões que acima de tudo gostam de jogar bola e não têm medo de ninguém.

Mais uma derrota dos subdesenvolvidos



Os franceses têm Paris, a revolução francesa, as tortas de morango. A França é um dos países mais adoráveis do Mundo, como a Itália.Mas os brasileiros, maioria dos 67 mil pagantes no estádio Mané Garrincha, Brasília, torceram pela Nigéria.

Por quê? Complexo de subdesenvolvido,que nos faz ficar ao lado sempre dos pobres, por inveja e raiva dos mais ricos? Nosso espírito de país cristão, que nos faz odiar os ricos porque somos pobres? Ou medo de pegar um país mais rico na semifinal?

A Nigéria jogou um futebol vistoso no primeiro tempo, mas os franceses os franceses que lhes deram campo, para marcar no contra-ataque. No segundo tempo, pressionaram a Nigéria e o adversário sumiu. Fizeram dois gols e venceram com autoridade.

Faltou à Nigéria capacidade de decisão. Confiança de ser vencedor, de ser de primeiro mundo. A Nigéria perdeu. E os brasileiros perderam, sem o Brasil ter jogado.

domingo, 29 de junho de 2014

A vantagem da Colômbia



A Colômbia passou pelo Uruguai, e seu futebol bem jogado tem encantado a torcida e a crítica, mas não é ele que o Brasil pode temer, pois tem um time superior. A Colômbia jogou uma primeira fase contra times mais fáceis e chegou ao mata-mata sem muito desgaste, não apenas físico como sobretudo mental.

O Uruguai passou por um grande estresse, ao perder para Costa Rica e ter que virar a história em dois jogos duros contra Inglaterra e Itália. No segundo, o lance de Suárez foi típico do estado de nervos em que se encontrava o time o e jogador.Punido Suárez, um Uruguai cansado, sofrido e à flor da pele acabou sendo presa fácil.

O Brasil suou sangue para vencer o Chile. Vai pegar uma Colômbia mais fresca e com o time inteiro. As batalhas deixam sequelas. Neymar foi caçado em campo contra o Chile e vem sendo atingido com jogadas maldosas em todos os jogos no primeiro lance de que participa, para que o adversário o tire de jogo sem levar cartão. O Brasil tem de se recuperar fisicamente e também mentalmente. A sequência de jogos até a final é muito dura e é preciso manter a força mental elevada.

O Uruguai tem um grande time e gastou toda sua energia no começo. Não fosse isso, passaria pela Colômbia. Tem força, técnica e tradição, mesmo sem Luizito Suárez. O Brasil, no entanto, mostrou que mesmo quando não vai muito bem, tem energia para se superar.

É a nossa esperança.

O Brasil tratado a pontapés



O Brasil jogou bem no primeiro tempo, marcou, foi rápido no ataque, criou oportunidades de gol, fez o gol.

Depois num lance bobo de Hulk na devolução de uma cobrança lateral sofreu o empate. Se desorganizou e só voltou a melhorar no segundo tempo, com Ramires no lugar de Fernandinho, dando novo fôlego ao meio de campo.

O Chile correu muito e não desperdiçou a oportunidade que teve, marcando no ataque. Esse foi o mal do Brasil, dispersivo no último lance. Fred e Hulk, apesar da volúpia do segundo, tem sido pouco eficazes no arremate. Jô, no lugar de Fred, foi ainda pior. Com isso, o Brasil não se impôs, no meio de campo e no marcador, deixando a sensação de que é vulnerável, um mau recado para os próximos adversários.

Contudo, foi também prejudicado pelo juiz no gol mal anulado.E não só nisso. Os adversários têm usado de um expediente antiesportivo. No primeiro lance, partem para machucar Neymar. O Brasil, sobretudo ele, tem sido tratado a pontapés. Quem deu a receita foi a Sérvia, que quase quebrou Neymar no primeiro lance dele no jogo amistoso, o último antes da Copa, para prejudicar seu desempenho. Na Copa, o México fez o mesmo, Camarões também, e o Chile quase tirou o atacante de campo com um golpe maldoso na primeira vez em que ele tocou na bola.

Se os juízes não mostrarem que cartão pode ser usado de saída, isso continuará. Não se pode permitir a violência como método. E aí vamos saber se a Fifa, tão rigorosa com Suárez, está mesmo ao lado ou não da esportividade e do bom futebol.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

O Brasil não podia expulsar Suárez

Não é admissível que o governo brasileiro corrobore decisões como a de expulsar alguém do país por determinação de uma organização futebolística




Da noite para o dia, Luizito Suárez, atacante do Uruguai, saiu de uma cirurgia para virar herói, com seus dois gols sobre a Inglaterra, que ressuscitaram a seleção celeste no primeiro turno da Copa do Mundo, depois da inesperada derrota para Costa Rica na primeira rodada, em que ele não pôde atuar. E, com uma mordida no zagueiro Chiellini, na vitória por 1 a 0 que deu aos uruguaios a classificação sobre a Itália, do dia para a noite Suárez foi transformado em bandido e bode expiatório. Recebeu da Fifa uma pena considerada "exemplar", que na realidade é apenas uma prova da arbitrariedade e da truculência na organização. E que extrapolou o âmbito esportivo, com a absurda conivência (ou subserviência) das autoridades brasileiras.

O juiz não viu ou ignorou as queixas do zagueiro italiano porque, desde a expulsão de Marchisio, Chiellini vinha fazendo cena para provocar uma expulsão também no adversário. A mordida de Suárez existiu, mas sua gravidade foi dramaticamente encenada pelo zagueiro. Os italianos são craques também na ópera. E Chiellini não conseguiu do árbitro sequer atenção.

A pena de nove jogos foi exemplo apenas do abuso de autoridade pela Fifa. No jogo entre França e Equador, os franceses aplicaram duas cotoveladas no queixo de jogadores equatorianos, mostradas em close e câmera lenta na TV, sem que por isso recebessem punição alguma, muito menos equivalente à de Suárez. Não vejo razão para considerar uma mordida no ombro um ato mais ofensivo do que um golpe direto no rosto, proposital e fora de disputa da bola. No entanto, Suárez foi escolhido como bode expiatório.

Além da exagerada suspensão de quatro meses e nove jogos oficiais com a seleção, a Fifa aplicou em Suárez uma punição extra tão deselegante e vergonhosa que se equivale à do atleta em campo. Suárez foi ainda banido dos "ambientes" da Fifa, estádios, concentrações, hotéis e do próprio território brasileiro, do qual foi expulso, embora tenha passaporte válido e, fora dos jogos, tenha direito de circular como outro cidadão qualquer, incluindo os turistas uruguaios que estão assistindo à Copa.

Essa atitude arbitrária é um exemplo tão ruim para a sociedade quanto o ato antiesportivo de Suárez em campo, com a diferença de que o erro do jogador uruguaio foi num instante da competição, um ato intuitivo, impensado, enquanto a decisão da Fifa apenas mostra sua frieza cerebral e sua falta de respeito e escrúpulos. Suárez foi julgado sem tribunal nem apelação e condenado, mesmo à revelia da suposta vítima. Envergonhado pela própria simulação, Chiellini foi o primeiro a vir a público para defender o uruguaio. "Eu sempre considero correta a ação dos órgãos competentes, mas ao mesmo tempo acredito que essa punição proposta foi excessiva", disse o italiano. "Um banimento assim é realmente triste para um jogador." Aparentemente, Chiellini foi o único a lembrar que Suárez é humano. "Meu único pensamento é para Luis e sua família, porque terão de enfrentar um período difícil."

Não é admissível que o governo brasileiro corrobore decisões como a de expulsar alguém do país por determinação de uma organização futebolística. Um país é maior do que isso e tem leis próprias. A instalação do governo provisório da Fifa no Brasil, por mais draconiano que possa ser o contrato com a entidade, extrapola qualquer limite do razoável e é uma verdadeira vergonha para o povo brasileiro. O Brasil se caracterizou no passado por receber e proteger exilados políticos e até mesmo bandidos foragidos, como Ronald Biggs, celebrizado por roubar um trem. Não tem a menor razão para condenar um jogador que cometeu um erro no âmbito esportivo, pisoteando a lei e a própria moralidade cujo exemplo se pretendia dar. Por que não botam então no xadrez o técnico da Alemanha, que fica enfiando o dedo no nariz? Também é feio pra diabo.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

O gênio e o velho teimoso



Felipão pode dizer o que quiser, mas não podemos nos enganar com a vitória por 4 a 1 diante da equipe de Camarões, sem mais nenhuma responsabilidade na competição. O primeiro tempo do Brasil foi ruim, com mais uma péssima atuação dos jogadores que o técnico insiste em sustentar. Enquanto os treinadores das demais seleções já fizeram mudanças importantes, como o do Chile, que tirou Valdivia do time titular, e o do Uruguai, que mandou para o banco Pablo Forlan, considerado o melhor jogador do mundial de 2.010, Felipãp colocou em campo novamente as piores figuras das três partidas até aqui: Paulinho, que continua sem a força de antes, nem ritmo de jogo; Daniel Alves, fraco no desarme e pouco ativo no ataque; e por fim Hulk, que desperdiçou gols como um canhão descalibrado e abriu valetas no gramado do estádio Mané Garrincha com seus tombos retumbantes.

Como resultado, o primeiro tempo foi sofrido, com Camarões apertando o Brasil e colocando uma bola na trave antes de empatar o jogo. Por sorte, temos Neymar. Se antes andavam todos comedidos, não há mais como negar: o garoto é um gênio. Capaz de inventar jogadas nunca vistas antes no futebol, marcou dois gols, bailou entre os camaroneses e salvou a equipe na primeira etapa. Mas o Brasil não pode depender apenas dele.

No segundo tempo, Felipão colocou Fernandinho no lugar de Paulinho. Imediatamente o time se tornou mais dinâmico, com um passe mais rápido e maior presença no meio de campo. Seria muita macheza voltar com Paulinho no próximo jogo, a fase inicial dos mata-matas, porque se trata de partidas em que um erro pode colocar tudo a perder - não há segunda chance. O Brasil tinha de entrar afiado nesta fase, mas ainda no segundo tempo contra Camarões se encontrava em fase de experimentos, com a entrada de Ramires no lugar de Hulk, além da substituição de Oscar por William - que Felipão pretendia fazer, mas corrigiu a tempo, tirando Neymar em seu lugar. Era o homem do jogo, mas precisava ser preservado de um cartão amarelo e das botinadas com que os camaroneses o perseguiram em campo, porque sabemos que, sem ele, o Brasil é outro.

No segundo tempo, com Fernandinho em campo, o Brasil foi mais consistente, melhorando visivelmente, apesar do adversário já estar batido. Isso nos dá esperança, assim como a pressão inicial, que lembrou a Copa das Confederações, e os lampejos geniais de Neymar, que chegou a chapelar um camaronês e dar um passe de bailarino para no final Hulk desperdiçar mais um gol diante do goleiro.

*
Felipão pode falar o que quiser, mas é muito melhor enfrentar o Chile nas oitavas de final do que a Holanda. Como se viu no jogo entre as duas equipes, a Holanda tem um time matreiro, eficiente no jogo aéreo e mortífero no contra-ataque. Foram assim os dois gols que mataram as esperanças dos chilenos de ficar em primeiro lugar no grupo. Um erro contra a Holanda é sempre fatal.

Tão decantado por Felipão, o Chile é uma equipe talentosa e veloz, que toca bem a bola, mas joga um futebol já bastante conhecido pelo Brasil. Diante da desclassificadíssima Espanha, foi empurrado para sua própria intermediária como um coelho na toca e só não levou nenhum gol porque os espanhóis parecem ter sido assolados por alguma maldição.

Sim, é melhor enfrentar os holandeses ou outra equipe candidata ao título mais adiante, quando a seleção estiver melhor organizada. E Felipão se convencer de que não pode recuperar jogadores em uma competição tão curta quanto a Copa do Mundo: é preciso escalar quem está melhor no momento. Tanto Fernandinho quanto Ramires dão mais mobilidade, velocidade e consistência ao meio de campo do Brasil. Se insistir, Felipão estará fazendo aquela aposta: ganhando, terá sido perseverante. Perdendo, terá sido apenas o velho e teimoso gauchão.

domingo, 22 de junho de 2014

O melhor dos Estados Unidos



Um gol miraculoso aos 48 minutos do segundo tempo, quando Portugal já se encontrava com o pescoço na guilhotina, salvou os portugueses de uma derrota. E tirou no último instante o gosto da seleção americana de uma gloriosa virada, que lhe daria não somente a classificação antecipada, como o direito de lutar por um empate com a Alemanha na rodada final para ficar com o primeiro lugar do grupo.

No empate por 2 a 2, a seleção dos Estados Unidos jogou melhor que Portugal a maior parte do jogo. Enquanto Portugal lembrava mais a Portuguesa, com um time desfalcado, caindo pelas tabelas, e tendo no seu único craque, Cristiano Ronaldo, uma figura caricata de si mesmo, os americanos marcaram forte, atacaram com rapidez e perderam muitos gols. É verdade que Portugal também desperdiçou boas chances, mas a virada americana teve algo de épico, assim como toda a campanha, que inclui a vitória sobre Gana. Eles tem feito por merecer um lugar na próxima fase.

Confesso que, além do Brasil, em primeiro lugar, e depois a Itália, minha segunda pátria, torço para os Estados Unidos. Essa simpatia, que não tem paralelo em outros assuntos que envolvem os americanos, como a economia e a política internacional, tem um motivo. Há oito anos, quando morei em Nova York, descobri que os torcedores de futebol são o que há de melhor no país, pelo simples fato de que prestam atenção no resto do mundo. Eles são os únicos que sabem, por exemplo, que a capital do Brasil não é Buenos Aires e admiram nossa cultura e nossa tradição no esporte. "Brazil rocks!", dizem as crianças americanas que jogam nos clubes locais.

Em Nova York, levei meu enteado João, então com onze anos, para jogar num clube local, o Downtown United, o "Unidos do Centrão". Pude acompanhar de perto o trabalho de base feito lá no futebol. Havia um professor peruano, formado numa escola de técnicos, que orientava as crianças, ensinando os fundamentos do esporte; times que treinavam durante a semana, desde o infantil até o nível profissional, e pais que incentivavam e acompanhavam os filhos de perto, como costumam fazer em tudo. Foram as pessoas que em Nova York me receberam melhor, por ser brasileiro. E as únicas que realmente se interessavam por nós e o que fazíamos ali, além dos professores de João e seus colegas estrangeiros na escola pública 89.

O futebol tem esse efeito mesmo sobre os americanos, tão voltados para si mesmos que chamam o vencedor do torneio de beisebol de "world champion", como se o esporte fosse jogado somente ali. Essa ignorância e desinteresse em relação ao resto do mundo tem muito a ver com a postura imperialista dos americanos, traduzida no dia a dia por uma certa empáfia, irritante mas certificadora de que eles se isolaram. A antiga recusa do americano em gostar de futebol era também uma demonstração solene de auto-suficiência, como se o esporte mais popular do mundo indicasse que além das suas fronteiras houvesse apenas bárbaros ignorantes que gostavam de um esporte onde se troca as mãos pelos pés.

Aos poucos, esse preconceito vem sendo vencido. Os pais que levavam as crianças para treinar futebol, ao lado dos muitos estrangeiros no país, começaram a fazer do futebol algo importante, muito mais do que os tempos de Pelé no Cosmos - é um fenômeno em andamento. A primeira partida dos Estados Unidos na Copa teve uma audiência na TV quase equivalente à da final da liga de basquete, o segundo esporte mais popular no país, depois do beisebol. É um sintoma da sanidade num país que descobriu que nem ele pode ficar sozinho no mundo. E que não faz mal algum falar e lidar com pessoas diferentes, ligadas no mundo inteiro por meio de um esporte que funciona como o melhor embaixador da Humanidade.

Torço pelos Estados Unidos na Copa para que essa abertura na dura carapaça americana continue se alargando, com o entusiasmo de um número cada vez maior de aficionados pelo esporte. Seria um grande bem, não apenas para o futebol como para a sociedade americana e o resto do mundo.

sábado, 21 de junho de 2014

O quê que a Costa Rica tem



Assisti aos dois jogos da Costa Rica, o primeiro contra o Uruguai, pela TV, o segundo contra a Itália, na Arena Pernambuco. Um jogo cujos ingressos só consegui comprar, creio, porque ninguém acreditava na Costa Rica, e acabou se tornando um jogo histórico.

Sim, ninguém dava nada pela Costa Rica, ainda mais no “grupo da morte”, reunindo Uruguai, Itália e Inglaterra. E o pequeno país da América Central, ao derrubar dois gigantes do futebol mundial em suas duas primeiras partidas, classificando-se na frente de todos e eliminando matematicamente a Inglaterra, realizou não apenas uma das maiores façanhas desta como de todas as Copas.

Na primeira partida, minha impressão é de que a Costa Rica havia tido muita sorte. A bola caíra no lugar certo na hora certa, como às vezes acontece no futebol. O Brasil já perdeu assim, em 1.982, diante da Itália. Um time mais poderoso, jogando bem, toma um gol de surpresa, quase por acaso, e de repente parece que tudo começa a dar certo para o adversário. Sem muito tempo de recuperação, quando se vê, Golias foi derrubado por Davi.

Na segunda partida, contra a Itália, estando na arquibancada, tive uma segunda impressão. A Costa Rica pode estar tendo sorte, mas também sabe mesmo jogar.

Não que seja algo de excepcional. Eles apenas fazem bem o que já conhecemos. Jogam em duas linhas de quatro, como muitos times brasileiros, e procuram compactar os jogadores, mantendo uma linha próxima da outra. Esse bloco fica mais adiante, quando querem pressionar o adversário, ou mais atrás, quando estão na frente do marcador e buscam jogar em contra-ataque.

No primeiro tempo, a Costa Rica corajosamente postou seus dois blocos mais adiante, para pressionar a Itália. Quando perceberam o espaço que os defensores costa-riquenhos deixavam às suas costas, usando como tática a linha de impedimento, os italianos quase abriram o placar por duas vezes em lançamentos de profundidade. Em um deles, uma precisa bola de Pirlo, o centroavante Balotelli desperdiçou um gol feito ao tentar encobrir o goleiro. Os costa-riquenhos tiveram também um pouco de sorte e ajuda do bandeirinha, que por algumas vezes marcou impedimento em lances legais do ataque italiano.

A Itália jogou bem o primeiro tempo, e poderia ter saído na frente, mas não conseguiu marcar o gol. A Costa Rica não perdeu a chance que teve, uma cabeçada certeira aos 43 minutos, que fez o time italiano, sem tempo de qualquer reação, sair de cabeça quente para o vestiário.

Na segunda etapa, já em vantagem, a Costa Rica recuou suas duas linhas de quatro mais para perto da própria área, fechando os espaços para os italianos, e jogando em contra-ataque. Fez bem ambas as coisas. Não marcou mais nenhum gol, mas anulou a Itália, que cansou com o calor pernambucano, entregando-se no final.

A Costa Rica mostrou ser uma equipe versátil, que sabe jogar tanto no ataque quanto na defesa. Possui jogadores habilidosos, como o centroavante Campbell, heroi do jogo contra o Uruguai, que nesta segunda partida teve participação mais discreta; e o meio-campista, autor do gol da vitória, que é o maior craque do time: Bryan Ruiz, jogador do PSV, da Holanda.

Contra a Itália, sem dúvida a Costa Rica não venceu por sorte, ou conjunção astral: venceu jogando, de igual para igual. Centrando seu jogo em Pirlo, um armador brilhante e clássico, mas meio lento, os italianos viram um adversário que usou a seu favor a velocidade. Ser rápido nos passes, no deslocamento e na virada de jogo é essencial no futebol moderno.

Além de velozes e bem entrosados, os jogadores costa-riquenhos são habilidosos e até um pouco abusados. Tentaram dar chapéu e dribles de efeito humilhantes nos honoráveis integrantes da velha Squadra Azurra. Talvez tenha contado para isso a preparação na Vila Belmiro, onde os costa-riquenhos foram beber da água que fez de Santos a meca do futebol-arte e da irreverência futebolística, na qual se formaram, entre tantos outros, Pelé e Neymar.

O técnico costa-riquenho, Jorge Luis Pinto, um colombiano que nos anos 1.970 estudou no Brasil e torce para o Corinthians, no final do jogo mostrou ter não apenas ousadia como elenco. Deu-se ao luxo de substituir seus dois melhores jogadores, Bryan Ruiz e Campbell. Enquanto isso, a Itália colocou em campo dois suplentes que não apenas nada acrescentaram ao ataque italiano como participaram de alguns lances bizarros, mostrando-se psicologicamente perdidos. Um deles, Insigne, segundo um amigo é apelidado na Itália de Scugnizzo, como se chamam os moleques de rua em Napoli. Ontem, porém, o espírito do moleque de rua, o alegre peladeiro, estava do lado da Costa Rica.

Surpresa para quem nunca tinha visto, os costa-riquenhos têm uma torcida grande e fanática por futebol. Lotaram parte do anel inferior da Arena Pernambuco como uma torcida organizada à moda brasileiro, e ocupavam esparsamente pelo menos um terço das arquibancadas. Outro terço era formado por italianos, numerosos mas espalhados, e o terço restante eram sobretudo brasileiros e mexicanos, além de torcedores de outras nacionalidades.

Ao final, a festa: os jogadores bailaram em campo na ponta dos pés, comemorando a travessa classificação em meio aos gigantes do futebol. No túnel de saída do estádio, os torcedores costa-riquenhos cantavam, felizes e provocadores:

“Donde están, donde están,
Los italianos que nos ivan a ganar?”

A Costa Rica não é a aparição de nenhuma nova ordem no futebol mundial. Porém, mostra que um time habilidoso, unido e bem preparado pode ir longe, mesmo sem tradição. Grandes momentos do futebol são feitos assim. A Costa Rica agora não é mais surpresa e vai ter vida dura pela frente. Porém, jogando um futebol à brasileira, até agora conseguiu ser melhor que o próprio Brasil, no futebol e nos resultados. Dá prazer vê-los jogar. E isso só valoriza o grande espetáculo de bom futebol que tem sido essa Copa.

Como é um dia na Copa

Levantamos às 4:20 da manhã, eu e meu filho, de 7 anos, para o nosso primeiro dia numa Copa do Mundo - dele e meu, que tenho 50. Objetivo, sair de São paulo num voo às 6:40, para assistir, em Recife, o jogo da Itália contra Costa Rica, cujos bilhetes eu comprara depois de muito suar diante do computador no site da Fifa, um mês antes, quando ninguém achava que a Costa Rica seria a sensação da Copa. Como descendente de italianos, eu, como muita gente, tenho a Itália em segundo lugar no coração, depois do Brasil - e venho tentando passar esse sentimento de italianidade para o pequeno André.

Saímos sonolentos, mas animados, e o voo transcorreu sem incidentes. No aeroporto de Recife, recebemos a notícia de que o transporte para o estádio era apenas de "metrô". Eu, que imaginara ir de táxi, entrei na fila do bilhete, na verdade uma pulseirinha vermelha que dava acesso aos trens e depois ao ônibus que completaria a viagem.

Dez minutos de caminhada na passarela que conduz do aeroporto à estação. O metrô, na verdade, não é um metrô, e sim um trem de superfície que vem de Jaboatão e segue até Recife, de onde se toma outra linha até a estação Cosme Damião, onde os organizadores prepararam os ônibus de ligação para a Arena Pernambuco. O estado do trem é razoável, melhor que os trens de subúrbio em São Paulo, e pior que os metrô paulistano. Tinha até ar condicionado, cujo efeito logo desapareceu assim que os vagões ficaram superlotados pelos passageiros locais, somados aos torcedores que enchiam o aeroporto e lotaram também o coletivo.

O trajeto de trem foi meio penoso: o trem, no sistema pinga-pinga, para não prejudicar o transporte da população local, levou cerca de 40 minutos com duas dezenas de paradas até Cosme e Damião. Mas o ambiente de alegria, com tanta gente misturada, se aliava ao bom espírito do dia para manter o moral elevado, sem a costumeira reclamação dos brasileiros que agora se queixam de qualquer incômodo. No trem, já tinha uma amostra do que encontraríamos no estádio: uma mistura de gente fantasiada, torcedores das mais diferentes seleções, italianos da Itália e outros do Brasil, seus descendentes, muitos torcedores do Palmeiras, o clube mais italiano entre os brasileiros. E a torcida costa-riquenha, em grande número, tão surpreendente quanto sua seleção.

Fomos em pé até Cosme Damião e, também em pé, num dos ônibus tirados das linhas comuns para fazer o transporte até o estádio. Saíam um após o outro em fila indiana até o estádio, num trajeto de cerca de mais 10 minutos.

A Arena Pernambuco foi construída no meio da zona da mata, fora da cidade. Chegar lá é mais ou menos como visitar um parque da Disney. O ônibus estaciona a cerca de um quilômetro do estádio, e essa parte do trajeto a multidão fez a pé. Antes da entrada, barraquinhas de comida e refrigerante dos recifenses eram o último contato com o Brasil. O estádio, que lembra uma espaçonave metálica descida no meio da mata, está longe de qualquer coisa, exceto de um condomínio de classe média alta que só se avista quando se sobe ao último estágio da arquibancada. pensei nos milhões dos estádios gastos com a Copa, e qual o futuro daquilo depois que a Copa acabar, mas, ora, ainda estávamos na Copa, e eu precisava deixar de ser jornalista por um instante para ser apenas torcedor de futebol.

Na revista, aonde passaram meu pequeno saco de viagem pelo raio-X, nos proibiram de levar para dentro qualquer tipo de comida ou bebida. Lá dentro, só comprando comida dos patrocinadores, o que significava tomar Coca-Cola ou água da Coca-Cola, Brahma e Budweiser. Não havia suco para crianças e nada para comer diferente de um hambúrguer do McDonald's e cachorro quente.

Eu tinha uma preocupação. Apesar dos meus esforços, comprar ingressos em setores diferentes do estádio. Minha esperança era de convencer o pessoal na entrada a entrar junto com meu filho e colocá-lo no meu colo. Mas não tive o menor problema. os bilhetes passavam na catraca juntos e, lá dentro, havia grande liberdade de movimentação.

O conceito da Arena é muito civilizado. estádio mais verticalizado que os nossos, permite ótima visão tanto de quem está no anel inferior quanto nos dois superiores. de qualquer ponto, pode-se ver bem o jogo. O fato de não haver alambrado entre a torcida e o campo pede dos torcedores um nível mais elevado de civilização, o que não sei se funcionará quando retornarem aos gramados os times do brasileirão e as torcidas organizadas. Na Copa, porém, todo mundo se comporta de forma exemplar.

Não precisei também colocar meu filho no colo. Com os 40 mil pagantes anunciados mais tarde pelos alto-falantes, havia claramente cerca de 20% dos assentos livres. Nos sentamos em dois disponíveis lado a lado e ninguém nos intimou a sair do lugar até o final.

Os italianos tinham uma torcida tão numerosa quanto a da Costa Rica, proém, estavam mais espalhados. Além de se encontrar por todo o estádio, os costa-riquenhos tinham um bloco organizado no setor mais próximo ao campo, barulhento e incansável, que animou o time do começo ao fim.

Em tudo, o estádio parecia um franchising bem americano, todo decorado com os motivos da Copa, a comida, os equipamentos brilhando de novos, do banheiro aos assentos de plástico. Um voluntário se ofereceu para colocar em meu filho uma pulseira de identificação, caso ele se perdesse de mim. Outros indicavam os assentos, como se estivéssemos no teatro. Cada um tinha seu lugar marcado, mas nada impedia que se pudesse mudar de um lugar para outro, até mesmo em outro setor, se houvesse lugares vagos. E não houve briga nenhuma.

Na saída, um congestionamento monstro de gente na fila para pegar o ônibus de volta levou cerca de 40 minutos, mas não baixou o moral da torcida, satisfeita e animada. Quando o ônibus passou pelo subúrbio, até chegar á estação do trem, o que se via era o Brasil de verdade lá fora, as famílias que faziam seu churrasquinho no quintal dos barracos e tiravam fotografias pelo celular dos ônibus que passavam com a torcida para fora da janela. Fizemos todo o trajeto do "metrô" na volta, dessa vez com meu filho sentado, ou melhor, deitado sobre um pernambucano bonachão, que não se incomodou quando caiu sobre seu ombro dormindo até babar.


Chegamos no aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, às 11:20. Enquanto meu filho dormia no trajeto, fiquei pensando. O que achei, afinal? A Copa é um barato. Foi muito bom participar de perto, estar com meu filho no meio do bando de loucos de todas as nações, algo muito diferente de apenas assistir pela televisão. Certamente é algo de que ele vai se lembrar pelo resto d vida, provavelmente até quando eu não estiver mais aqui. E isso não tem preço.

Na Copa, pessoas realmente se divertem, fantasiadas ou não, como numa grande festa, em que o futebol é apenas um pretexto para uma grande confraternização. Todos querem conversar, trocam experiências e todo o resto. Como um amigo que encontramos a caminho do estádio e contou ter recebido de outro brasileiro, que o confundiu com um italiano, a proposta de trocar sua camisa da Itália por uma do Brasil.

Os pernambucanos, simpáticos já por natureza, se mostravam muito atenciosos e preocupados em fazer tudo para agradar os visitantes, da conversa no trem ao atendimento no estádio. E não pareciam nem um pouco incomodados de ver aquele famoso dinheiro gasto na Arena Pernambuco ter ido para o futebol, em vez dos hospitais ou escolas. Pelo contrário, estavam bastante orgulhosos de poder receber gente do Brasil e do mundo inteiro e interessados em saber se estávamos satisfeitos com o que tínhamos visto, como o pobre que coloca na mesa a melhor comida que tem em casa, orgulhoso de ter visitantes importantes. A conta, ou o que vai acontecer depois, não são tão importantes diante do nosso patrimônio de alegria e generosidade.

De certa forma, é isso o que o Brasil está fazendo: gastando mais do que pode para organizar uma festa melhor do que somos para que fiquem de nós com a melhor impressão. Mas é assim que se fazem todas as festas, ou não?









quinta-feira, 19 de junho de 2014

Pobre Espanha



Pobre Espanha.

Estive lá ano passado, numa caminhada a Santiago de Compostela, com meu pai. Um em cada três espanhóis está desempregado. As cidades do interior pelas quais passamos, ao norte, desde Pamplona, estavam praticamente abandonadas. O êxodo para os grandes centros em busca de trabalho só faz aumentar a dificuldade também nas metrópoles.

Lá, ao contrário do que se pensa aqui, o futebol não mascara as dificuldades políticas ou econômicas, é antes disso um pouco de alegria, um lenimento. O espanhol é um povo apaixonado por tudo, da tourada ao vinho, do vinho ao futebol, e é isso que sustenta os ricos clubes no país.O espanhol bem que estava precisando de um pouco de alegria. Porém, a seleção nacional de seu país, campeã do mundo em 2010, fez um papelão nesta Copa. Tomou sete gols em dois jogos e só fez um. "De noticia mala em noticia mala, nos pasa todo", lamentou o narrador da Rádio Cadena, de Barcelona, quando o time tomou o segundo gol chileno.

O celebrado futebol cadenciado da Espanha desmoronou diante de Holanda e Chile, duas equipes que, sem a mesma qualidade técnica, fizeram o que o Brasil já tinha feito na final da Copa das Confederações: não desperdiçaram oportunidades.

O futebol mortífero prevalece sobre o bem jogado. Holanda e Espanha foram efetivos, graças a atacantes que não titubeiam, e a jogadas rápidas de ataque, que não dão tempo para a defesa se organizar. Por jogar com uma troca exagerada de passes, a Espanha dá tempo para que a defesa se poste melhor. Seu futebol passou a ser previsível e o jogo enjoativo, com aquela troca de bola diante do paredão impenetrável feito pelo time adversário. E, nas oportunidades que teve, a Espanha não soube marcar.

Os espanhóis não foram os primeiros campeões a dar vexame na Copa seguinte. O Brasil, em 1.966, depois de vencer quatro anos antes, também saiu na primeira fase. A França fez uma campanha vergonhosa dentro e fora de campo em 2.002. A Itália caiu fora também logo de saída em 2.010. É a maldição dos campeões? Talvez. Mais provável, porém, é que exista uma acomodação na vitória. Ninguém vive do passado, muito menos no futebol.

terça-feira, 17 de junho de 2014

Não vamos nos desesperar



Não, não vamos nos desesperar.

Claro que o zero a zero diante do México não foi uma beleza, mas também não foi um desastre. O Brasil esteve um pouco mais consistente que diante da Croácia. O México apenas se defendeu. Deu alguns chutes, perigosos, é verdade, mas de longa distância. Era o que podia fazer. E o Brasil desperdiçou quatro boas oportunidades dentro da área.

Se a lógica ainda vale alguma coisa, podemos dizer que o Brasil está bem perto da classificação. Mas e o bom futebol? Sim, aquilo que gostaríamos de ver: o Brasil jogando bonito, e mais competitivo, com a pegada, a rapidez e a efetividade da Copa das Confederações?

O técnico Luis Felipe Scolari testou algumas mudanças que acabaram sendo ruins. Colocou Ramires no ataque, no lugar do contundido Hulk, para proteger mais o lado direito, muito frágil diante da Croácia. Resultado, não melhorou a defesa e perdeu um atacante. No intervalo, tirou Ramires para entrar Bernard. Depois trocou também Fred, que anda meio parado no ataque brasileiro. Nada surtiu muito efeito. No final, o México nos deu ainda um sustinho derradeiro.

A esta altura, Felipão já deve saber o que precisa fazer para o Brasil melhorar. Ele segurou Paulinho no time até agora, mas as coisas não estão andando bem para o ex-jogador do Corinthians. Com pouca mobilidade, foi o pior do time, tanto no desarme quanto na armação. E ainda perdeu um gol de cara com o goleiro. O Brasil jogou muito melhor na fase de preparação com Ramires no seu lugar. É o que deve acontecer de novo se Paulinho não melhorar.

Por que Felipão não deixou Ramires no lugar de Paulinho, passando-o para o meio de campo, tirando-0 para a entrada de Bernard no ataque? É difícil desvendar a cabeça de um técnico. Acredito que Felipão sabe que com Ramires no meio o Brasil joga melhor: tem mais mobilidade, velocidade e marca melhor. O técnico está apenas insistindo com Paulinho e pode ser que essa seja sua carta escondida na manga para a próxima fase. Essa seria uma boa surpresa para os adversários em um time que se tornou meio previsível.

É muito possível que ele d~e ainda mais uma chance a Paulinho. Felipão é fiel ao que gosta. Manteve Júlio César, confia no goleiro, apesar de não estar jogando em um grande time. Acredita também em Fred e no próprio Paulinho. Não se pode criticá-lo. Fez bem em não ceder a pressões imediatistas para tirar Oscar, que é hoje o nosso melhor jogador. Precisamos ter paciência, como ele vem tendo.

Contra o México, Neymar apareceu menos, mas foi bem. Quase marcou um gol, de cabeça, fundamento que não é o seu melhor. O goleiro mexicano, que fez uma grande partida, tirou a bola quando já estava praticamente dentro do gol. Neymar teve mais alguns lampejos, mas não se pode esperar que resolva sempre tudo sozinho.

O Brasil vai melhorar, até porque os adversários, a partir da próxima fase, precisarão atacar mais, uma vez que só passarão para a fase seguinte com vitória. É uma mudança importante. Com o mata-mata, todos os times serão mais agressivos, inclusive contra o Brasil. E isso criará mais espaços para o time brasileiro jogar.

O México conseguiu se defender bem. Fez um bloco compacto, amontoou jogadores ao redor de Neymar e bateu forte para inibir os jogadores brasileiros e truncar o jogo, não deixando-o correr. Fechou espaços pelas laterais, onde o Brasil tem armado seu ataque, e contou com a estrela do goleiro, que parecia imantado, atraindo todas as bolas que iam para o gol.

Este zero a zero foi pouco, é verdade, mas é normal a equipe ir se estruturando na primeira fase. Felipão ainda tem margem para fazer algumas experiências até as oitavas de final. Aí, então, é que a Copa vai, de fato, começar.

O que vale é bola na rede



Eu acreditei que o Uruguai chegaria à final. Contra o Brasil. Reedição de 1.950. O Uruguai tem um belo time, guerreiro, técnico, experiente. Foi o melhor sul-americano no mundial de 2.010, com um quarto lugar.

O Uruguai estreou contra Costa Rica, jogo bem o primeiro tempo, saiu na frente, tudo indicava um resultado normal. Aí o jogo virou uma dessas jornadas mitológicas, com tudo dando certo para a Costa Rica. Final, Costa Rica, 3 a 1. O Uruguai não só perdeu, como perdeu bem. O Uruguai passou a ter que ganhar de Inglaterra e Itália para se classificar sem depender de ninguém. A Copa desafia os gigantes.

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A Costa Rica teve Campbell, jogador do Olimpiakus. Já tinha ouvido falar? Nem eu. Um moleque esperto e sem medo com a bola no pé, ele foi o astro na vitória contra o Uruguai. Vai ser difícil a Costa Rica repetir o feito contra Itália e Inglaterra, mas quem sabe? Pelo menos por um dia, Campbell foi um herói do futebol.

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A Holanda massacrou a Espanha loga na estreia, com um placar cruel de 5 a 1, conquistado com um belo jogo e contra-ataques mortais. Parece que na derrota para o Brasil na Copa das Confederações, a mágica espanhola desapareceu. Aquele jogo quebrou sua espinha dorsal. Os espanhóis se arrastam agora em campo, sujeitos a outras humilhações. Podem ainda se levantar. Porém, quando o moral acaba, e a insegurança se instala, é muito mais difícil.

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Portugal também levou uma biaba da Alemanha: 4 a 0. Cristiano Ronaldo, o craque da hora, com seu penteado novo, foi uma peça decorativa no pouco utilizado ataque português. Para ficar mais feio, o zagueiro Pepe resolveu dar uma de valentão e foi expulso. Coitada da torcida lusitana. Nesta Copa, Portugal parece mais a Portuguesa.

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Os alemães têm o time mais bem preparado, que vem amadurecendo desde a última Copa, quando fizeram uma bela campanha. É um esquadrão bem organizado, rápido no ataque e mortífero na conclusão. Eu diria que, pelo futebol, é o favorito. Mas o bom futebol não é tudo para se ganhar uma Copa.

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Itália e Inglaterra fizeram a melhor partida até agora, como dois combatentes de guarda baixa, esmurrando um ao outro, para ver quem cairia primeiro. Caiu a Inglaterra, que cansou no final e não conseguiu reagir ao segundo gol italiano. Foram dois gigantes e prometem mais emoção.

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A Copa já teve grandes jogos, surpresas e muitos gols. Sim o futebol bonito está de volta. Até seleções tradicionalmente trancadas como Itália e Inglaterra jogaram abertas.

As partidas da primeira rodada lembram o que é mais preciso para ganhar qualquer competição de futebol: efetividade. Jogando bem ou não, ganha quem não perdoa. Aproveita as oportunidades. Essa frieza objetiva e implacável é o que resolve as partidas, sobretudo numa competição com times tão equilibrados. Como dizia o velho ditado, o que vale é bola na rede.
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E hoje tem Brasil e México!

domingo, 15 de junho de 2014

Messi, a promessa dele mesmo



Lionel Messi, o grande astro argentino, tido por muita gente como o melhor jogador do futebol contemporâneo, me lembra muito Zico, craque do Flamengo e da seleção brasileira, que teve seu auge nos anos 1.980.

Como Zico, que precisou de muita injeção para crescer, Messi é baixinho. Também como Zico em seu início de carreira, no Flamengo, o jogo de Messi é feito de descidas vertiginosas para o ataque, em profundidade ou na diagonal, graças ao drible em velocidade, finalizado pelo disparo mortal.

Nos clubes, ambos tiveram a sorte de jogar em grandes times, o que só faz o craque brilhar mais. No Flamengo, Zico tinha por companheiros jogadores como Andrade, Júnior e Adílio, que com ele levantaram um título mundial. Eram todos jogadores hábeis, que gostavam da troca de bola, da tabela, do futebol envolvente. O Flamengo de Zico era sempre o dono do jogo. Messi joga no superestrelado Barcelona, ao lado de outros craques com o mais fino trato da bola, como o campeão mundial Iniesta.

No começo da carreira, embora fosse já um craque no Flamengo, Zico era bastante criticado na seleção. Por muito tempo, dizia-se que desaparecia com a camisa amarela, por não repetir no Brasil o seu desempenho no clube. Com duas copas na bagagem, sem ganhar nenhuma, com atuações apagadas, embora seja o segundo maior artilheiro da história da sua seleção, Messi hoje recebe a mesma crítica na Argentina. É considerado mais um jogador de clube que de seleção.

Com o tempo, Zico mudou. Do jovem jogador que partia com tudo para o ataque na base do drible e da habilidade, tornou-se também um grande armador, ao mesmo tempo em que a experiência ia substituindo a juventude. Tornou-se um jogador praticamente completo, e, mais experiente, foi também um grande destaque na seleção. Teve a sorte de disputar duas copas ao lado de grandes jogadores, como Sócrates, com quem fez uma bela dupla. Não ganhou nenhuma, mas o time de 1.982, dirigido por Telê Santana, até hoje é uma referência do futebol brasileiro, bonito, bem jogado, que se não ganhou, por mera fatalidade, mereceu a taça mais que qualquer outro.

Messi também não ganhou Copa, ainda. E terá muito trabalho, porque não tem na seleção, ao seu lado, craques como os que tinha Zico. O time da Argentina, que hoje bateu por 2 a 1 a Bósnia, que mais parece um time de universitários, não foi muito convincente. Beneficiada por um gol contra bósnio, a Argentina teve um primeiro tempo apático e, se dominou o segundo tempo, não chegou a ter cara de time campeão, titubeando no final.

Ele fez um gol, a seu modo: carregando a bola, tirando os zagueiros da frente, até achar a brecha para o chute. Porém, na maior parte do jogo limitou-se a devolver para trás as bolas que vinham em sua direção. Pouco jogou para o time.

A Copa de 2.014 vai ser decisiva para a história de Messi. Se ganhá-la, pode equiparar-se a um Maradona, que conquistou uma Copa do Mundo pela Argentina num time guerreiro, mas tecnicamente mediano, o que lançou ainda mais sobre ele a fama de milagreiro, simbolizada pelo gol de mão feito diante da Inglaterra.

Messi pode, também, chegar perto de um Zico, se for mais solidário, contar com a ajuda dos companheiros, e fizer de suas partidas aquele espetáculo que deixa saudade nos apaixonados pelo futebol, mesmo se não ganhar nada.

Ou pode ser apenas apenas o que foi hoje, na sua partida de estreia na Copa de 2.014: uma eterna promessa dele mesmo.

sábado, 3 de julho de 2010

O país da alegria


Perdemos outra Copa em 2010; o Brasil tinha um técnico arrogante, um time confiante, que se dizia "um grupo fechado", e que de fato não deixou entrar mais ninguém; que não falava com a imprensa, movido por uma solidariedade interna que, em caso de vitória, teria sido força, mas na derrota fiocu só isolamento, só teimosia, só presunção.

Penso que o Brasil precisa continuar Brasil, humilde, mesmo no futebol. As crianças aqui já não aprendem a jogar em campo de terra, com bola de meia, ou de capotão; jogador de futebol é profissão séria, embora se comece nisso tão cedo; profissional não pode ser jovem, não pode fazer bagunça, nem tem muita liberdade; é uma máquina de ganhar dinheiro, produto de exportação, e sofre muita cobrança, há muita pressão.

Porém, não perdemos nossa alma: temos ainda aquela mistura, aquela reunião de talento, de garra, de força, de criatividade, de flexibilidade, de capacidade de mudança, de espírito de luta. Sabemos que não ganhamos sempre, mas que sempre seremos os que podem ganhar mais vezes. Sabemos que, mesmo após a derrota, a vida vai continuar. E que voltaremos a ganhar.
Não há ninguém no mundo melhor que o brasileiro para fazer a tristeza ir embora, não só em letra de samba, mas na vida real; já perdemos outras vezes e sabemos nos levantar; esse é um povo onde a alegria é inerente, fazemos piada e seguimos adiante.

Há quatro anos, meu filho estava dentro da barriga da minha mulher. Minha mãe estava com câncer e eu voltava para o Brasil por ela e por mim, em busca dos amigos, dos parentes, de amor e de raiz. Quatro anos depois, meu filho nasceu, cresceu, já grita "basil!", chuta forte com o pé direito, corre com a bola nos pés, faz ela parar, ajeita-a para bater, agita a bandeira nacional. Minha mãe faleceu há dois anos, mas teve a oportunidade de ver o primeiro neto nascer, e depois o segundo, meu sobrinho Theo. Pudemos eu e minha irmã lhe dar essa alegria, em meio ao tormento da luta contra a doença. Hoje, ao ver meu filho com uma camisa amarela da seleção que serviria num urso de pelúcia, choro ao pensar em como ela ficaria emocionada ao vê-lo assim; ela que também chorou quando leu o primeiro boletim escolar do neto; ela que tanto amava o Brasil; ela que, mãe e professora primária, me ensinou a escrever. Ela que acreditava que a educação mudaria este país, um desafio que ainda está diante de nós. Ela que torcia apaixonadamente pela seleção, porque para minha mãe, mais que qualquer coisa, fosse torcendo pelas meninas e meninos do volêi, do basquete, de qualquer esporte, a seleção era o Brasil, o Brasil a seleção.

Minha mãe não pode ver esta Copa; essa foi a primeira que vi sem sua força, sua alegria, sua ama brasileira; minha mãe cantava, dançava, era Brasil e carnaval; tinha luz na alma e olhos verde-amarelos como os meus e como a bandeira nacional. Seus netos correram e pularam por ela, mesmo sem ainda entender perfeitamente a fuzarca que vira esse país nos momentos de Copa. Sim, minha mãe teria chorado com a derrota da seleção, como agora eu choro, por ela e por mim; mas a Copa também nos faz olhar para a frente, para as crianças que estão no nosso regaço, que pelo menos por algum tempo ainda jogam bola como antigamente, sem pensar em mais nada, apenas na alegria lúdica do esporte, com seu sorriso de que não conhece tristeza - aquela inocência fundamental que não devíamos perder jamais.

*
Penso que tudo o que fiz foi bem feito; fico feliz por ter dado a minha mãe algumas de suas últimas alegrias; de fazer este país ter futuro, não só por ações, mas com esta criança que não conhece as regras do jogo, mas já intui os mistérios da bola; e penso que todo egoísmo é inútil, vivemos não para nós, mas somente para os outros; a vida se acaba e só viver para os outros hoje para mim faz sentido, porque são sempre os outros que ficam, sucessivamente.


Vivo hoje para os outros e acho que o Brasil devia ser assim também; porque nós ficaremos, mas o Brasil seguirá adiante; que a nossa próxima seleção esteja mais ao lado do povo, porque é para o povo, para o país, que essa alegria devia servir.

Campeões no coração


A Copa de 1982 será para sempre a lembrança de como éramos jovens, de como éramos fortes, e de como lutar contra o destino, as impossibilidades, os golpes da vida fazem da era romântica também a mais sublime.
Em 1982 eu estava na faculdade, fazia Ciências Sociais à tarde, Comunicação pela manhã, ambas na USP. Passava meu dia na universidade, com suas alamedas, sua calma de fazenda, apenas aparente; naquele tempo a escola fervilhava, eram assembléias de estudantes mobilizados contra o final da ditadura, ainda havia greves, manifestações, a vida tinha um sentido político de mobilização em nome de algo melhor: a democracia purificadora de 30 anos de ditadura militar, de porões sangrentos, de censura à imprensa, sem voto nem liberdade.
Diferente da geração de nossos pais, que tinham visto o golpe militar nascer e o enfrentaram como podiam, éramos uma geração que não queria as armas, o confronto, mais sofrimento; queríamos apenas a paz e a liberdade com a certeza das coisas irrecorríveis e inevitáveis, a certeza de que nenhum mal, nenhuma arbitrariedade, nenhuma violência faz sentido, por isso não pode triunfar.
Lembro de deixar as aulas convocado de repente para ocupar o restaurante, uma forma de criar caso muito em uso na época; lembro de ocupar a reitoria, centenas de estudantes sentados no amplo salão de entrada; lembro de estar sentado no chão no extremo daquela massa de gente, separado de um batalhão da Polícia Militar, armado como um exército, apenas por uma porta de vidro; podia olhar nos olhos dos policiais a centímetros de distância, quase sentir seu hálito do outro lado daquela tênue separação dos dois lados.
Infernizámos a reitoria e os dirigentes de toda espécie porque suas medidas atrabiliárias se confundiam com o clima de repressão geral; o Brasil começara desde 1974 a era da distensão dita gradual, mas vivia ainda sob um governo militar, eleito fajutamente num Congresso manipulado. Éramos jovens, queríamos a paz em paz, repito, mas queríamos mudar. E não aceitávamos nada imposto, tínhamos de participar, aquela era a verdadeira abertura, não só política, mas abertura de nós mesmos; descobríamos nossas ideias, nossas vontades, nossos desejos, nossas paixões, nossos ideais, descobríamos o sexo, o corpo e as sensações que davam um sentido literal, ao mesmo tempo amplo e profundo, do que se chama de universidade.
Era o começo do movimento que daria nas multidões que correriam as ruas clamando por eleições diretas, o histórico movimento das Diretas-Já, marco da democracia no Brasil e da história futura do país, fincada na liberdade e numa espírito pacífico, porém determinado, que recolocou o Brasil no seu caminho como Nação e lhe deu um lugar de tolerância, respeito à diversidade, defesa da liberdade e exercício pleno da vida perante todo o planeta.
Hoje pode parecer exagerado dizer isso, mas a grandiloquência fazia parte daqueles dias; éramos jovens, repito, e sonhávamos com dias melhores; víamos os nossos pais sofridos, o país massacrado por uma guerra silenciosa e cotidiana, e queríamos mudanças ao lado deles, com eles e por eles; não esperaríamos outra geração para ver realizados nossos projetos de liberdade, progresso e paz; não queríamos um Brasil melhor para nossos filhos, mas para nós.
Tudo isso estava em jogo naquele congresso de estudantes de comunicação em Florianópolis, uma semana de retiro, numa espécie de república estudatil instalada na universidade federal, cujo campus virou uma cidade-Estado, com leis e vida próprias. Dormíamos no chão, amontodos em salas de aula; namorava-se no meio dos outros, livremente, entre os corpos deitados na penumbra, nos corredores, no gramado; nos debates havia os que se empenhavam em parecer sérios e aqueles que, desdenhando da política, não deixavam de fazê-la; era um tempo de rebeldia, não apenas contra as instituições fraudadas, mas contra tudo, rebeldes contra a própria rebelião.
Ali discutíamos como se tivéssemos o poder de mudar tudo (e hoje vemos que mudamos: no Brasil democrático, que desfruta e crescimento continuado, de uma paz duradoura, de constituição sólida. Mesmo que ainda com graves problemas sociais que somente com muitos anos e educação poderemos ir sanando eu vejo que mudamos.)
Não havia ainda em vista a eleição direta para presidente, nem a Constituição-Cidadão de 1988, que restabeleceu a democracia no Brasil; mas a semente estava lá, no clima acalorado dos debates, mas na maneira da juventude mudar as coisas, com sorrisos no rosto, bandeiras de liberdade, abraços inesquecíveis de amizade e amor, momentos que não se perderam no tempo, porque estão hoje em dia em cada brasileiro que pode ser livre e ter uma vida melhor, ainda que não saiba direito a quem deve tudo isso.
Como um símnbolo de tudo isso, havia a seleção; era uma seleção nova, forte, vibrante, jovem. Era uma reunião de talentos, uma expressão de vitalidade e de arte como não se via desde 1970; era uma seleção de craques, que jogavam um futebol vistoso e que, como nós, tinham por dentro a certeza da invencibilidade. Talvez fosse melhor até que a de 1970; não tinha Pelé, porém tinha mais craques; no meio de campo, reunia-se uma constelação de jogadores que parecia uma seleção de todos os tempos, com Toninho Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico.
Era um time de sonhos que fazia a bola rolar preciosamente, uma equipe de zéfiros, que não conhecia outro resultado senão a goleada, que fazia a torcida vibrar de orgulho e paixão. Era um Brasil novo que surgia, resgatava o que este país tinha de melhor, devolvia o orgulho de ser brasileiro, depois de anos de derrota, que nos havia mantidos distante do sonho então mnuito possível de sermos campeões, de sermos plenos, da mesma forma que o Brasil demorava a se tornar o gigante que surgiria assim que pudesse ser livre outra vez.
E lá fomos nós, a república da juventude, para o salão da universidade, não lembro em que lugar, só do grande salão com um aparelho de TV improvisado em cima de uma mesa, diante dele a multidão de faces cheias de certeza; gente de pé, sentada, de joelhos, abraçada; começou o jogo como todos os outros, aquele time só dava exibições de gala, aquele time goleava, aquele time jogava bonito, aquele time era vencedor.
E a festa prosseguiu, até que, como um raio que cai num dia de azul esplendoroso, a Itália fez dois gols; o jogo terminou e a platéia, assim como o Brasil inteiro, ficou muda; aquilo não podia estar acontecendo, era mentira; como era ilusão o próprio estádio Sarriá, era ilusão toda a Espanha. O destino não podia ceifar a alegria daquela forma, aquela certeza; éramos os melhores, merecíamos a vitória; jogamos melhor, fomos belos, fomos bravos, fomos fortes, e mesmo assim perdemos, em dois lances casuais, numa prova cabal da arbiotrariedade da vida, uma arbitrariedade cruel e acachapante que nos deixou massacrados, como se repente tivesse caído uma laje de concreto sobre nossas cabeças.
Saímos dali atordoados; centenas de estudantes,subitamente abalados em todas as nossas certezas; se naquele momento o entusiasmo da seleção e de todo um país estavam tão juntos, um baque daqueles punha abaixo nosso amor próprio, nosso futuro, a esperança nacional; era um golpe terrível, e não sei o que me fez caminhar para aquele lugar, como caminhamos; aos poucos foram chegando todos, nos reencontramos no lugar menos provável daquele dia: uma campo de futebol.
O campo da universidade de Florianópolis nunca viu um jogo como o daquele dia: vinte e dois jogadores, que corriam chorando, a descarregar a raiva, a tristeza, a angústia; como se pudessem mostrar como se fazia, tornar certo o que dera errado; repor algo, não no campo da batalha perdida de Sarriá para os algozes italianos, mas na nossa própria alma.
Lembro que atirei longe o tênis, queria sentir a terra, queria os pés feridos de bater na bola de couro com todas as forças, queria correr à exaustão, exorcizar aquela tristeza, desabafo convertido em esforço; gastar-me até não ter forças para nada, nem para sentir; vencer a dor da alma pela exaustão.
E me lembro de nunca jogar futebol tão bem na vida, tão bem que poderia ter estado perfeitamente no Sarriá; pegava a bola na defesa para dar início às jogadas, distribuía o jogo no meio de campo, lançava, surgia na área, fiz vários gols. Corria como um guerreiro etíope, flutuando sobre o chão, sem esforço, sem suor, sem cansaço; com cinco graus de miopia, e sem os óculos, via tudo, mesmo sem enxergar nada; despachava lançamentos de longa distância, fazia passes em profundidade, como se dotado de um radar de morcego; fomos assim sem ver o tempo, até que caiu a noite, até que, extenuados, olhamos uns para os outros, não totalmente vingados, não totalmente satisfeitos, não totalmente consolados, herdeiros daquela fúria que ainda posso sentir hoje, moídos, doídos como se tivéssemos também participado daquela batalha, dividindo aquele momentos irmanados.
Não, o Brasil tinha perdido um jogo, mas não saíra derrotado; a beleza daquele dia seria lembrada para sempre, a derrota só aumentava aquela chama, porque sabíamos que não podíamos jogar fora aquela força plena, ela ainda triunfaria, ainda nos levaria um dia à realização dos grandes sonhos, só não podíamos desistir, sim, só tínhamos de continuar.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Nunca como antes


Copa o Mundo é também um marco da vida da gente e de uma época. Lembramos das Copas pelas quais passamos e vemos como o tempo muda, como mudamos nós. É como um passeio afetivo pelo baú da memória das épocas e das nossas épocas.

A primeira Copa de que me lembro é a 1970. Eu tinha seis anos de idade, morava no apartamento térreo de um prédio na Liberdade, onde nasci. No final da Rua dos Estudantes, na vizinhança dos inferninhos, já na Baixada do Glicério, como chamava minha mãe, com rancor, que enchia d' água no verão, pelo transbordamento do Tamanduateí. Foi o último ano em que moramos lá, num tempo em que os coreanos começavam a invadir o bairro.

Nunca haverá outra Copa como a de 1970. Uma das razões era o time do Brasil, de futebol bonito, com Pelé no seu auge - nunca haverá outro Pelé. Mas houve mais, foi a primeira Copa que todos (ou muita gente, porque não havia tantos aparelhos como hoje em dia) podiam assistir pela televisão.
A transmissão ao vivo com imagem foi para a época uma revolução. Uma Nação eletrizada como se estivesse no México. Motivada pela maior campanha de propaganda da história. "90 milhões em ação, pra frente Brasil, do meu coração!" dizia a música que ficou na cabeça e quem viveu esse tempo não esquece (meu Deus, hoje já somos quase 200 milhões).
Lembro do Brasil já estar ganhando, a TV preto e branco de encontro a uma parede nua, minha tia Malfisa entrar em casa com um bando de amigos com cornetas, bandeiras e copos de cerveja dançando nas mãos. O jogo nem havia terminado, mas o Brasil ganhava com facilidade, caminhava para fazer os 4 a 1 na Itália em contrataques rápidos e fatais, o jogo parecia já garantido, tanto que eles já comemoravam. Foram embora no mesmo repente com que chegaram, cantando e dançando, como um bloco de carnaval.

Fim do jogo, saímos para a rua, como todo mundo - eu, papai e mamãe. São Paulo estava em festa. Os carros buzinavam num engarrafamento monumental. Lembro de apanharmos meus primos Rogério e Regina de carro; ele tinha seis anos mais que eu e ela era adolescente. Regina queria subir no capô do veículo, quase parado no tráfego que avançava lentamente - e ninguém reclamava. Papai a princípio negou, Regina ficou amuada.

Nunca haverá outra Copa no Brasil como a de 1970. O que a história não registra é aquela alegria delirante, que extravasava tanta coisa. Um momento de liberdade num país de repressão; um amor nacionalista que tinha algo de redenção; um sopro de confiança, esperança e transgressão, ainda que movidas pela ilusão do esporte.

Seguimos com a massa de veículos pela 23 de Maio, em direção ao Ibirapuera; lá foi Regina, vencedora com apoio de mamãe, para o capô do fusquinha cor de café com leite; eu via os brasileiros com o corpo para fora das janelas dos carros, agitando as bandeiras verde-amarelas, e a longa avenida rumo ao parque era como um rio de felicidade fluindo onde antes havia só sofrimento e medo; por um instante o Brasil tinha licença para tudo, o país estava em festa e éramos todos irmãos.
Sim, nunca haverá outra Copa como a de 1970.

*

Da Copa de 1974, lembro de um dia de jogo Brasil e Alemanha Oriental, em que jogamos de azul marinho; eu morava então na casa Verde, num sobrado de vila, perto da escola pública que frequentava, o claudicante Benito Tolosa. Embora a escola fosse ruim, naquele dia de jogo, talvez apenas para mostrar um rigor que não tinha, a aula estava confirmada, bem na hora do jogo, para nosso desencanto. E lá fui eu, forçado e emburrado, para a aula.

Porém, aquilo que poderia ter sido mais um dia de Copa do Mundo do jogo que não vimos (e naquele tempo não havia videotape assim fácil, era só domingo à noite, e jogo ao vivo, passava num canal só) acabou se tornando memorável. Porque choveu; o dia já começara cinzento, ranzinza, choroso; choveu e choveu forte. Quando cheguei à escola, uma caminhada que eu fazia à pé, apenas duas quadras, as goteiras nas salas de aula fluíam como duchas. E a antes irredutível diretora não teve remédio senão mandar todo mundo de volta para casa.

Lembro da minha felicidade, com os livros pendurados às costas, amarrados por elástico largo, dessas faixas que se prendem à cintura; pensava no acaso, no destino benfazejo, na leniência divina, e me perguntava se dali em diante seria sempre assim: os momentos de liberdade e alegria seriam apenas nas férias, ou na ruína dos compromissos; talvez aquilo fosse crescer, fosse a própria a vida, ou o resto da vida.

Mas isso foi só um segundo, porque logo cheguei em casa, para espanto de minha mãe, e pude assistir à vitória magra do Brasil, extraída a ferro e fogo e suor e sangue, 1 a zero com gol de falta de Rivelino, furando a barreira com ajuda de Jairzinho, que cavara um buraco entre os jogadores adversários para a bola passar, atirando-se ao chão na hora H.

Mais do que o jogo, porém, a memória dessa Copa é aquela, da volta para casa, o momento de liberdade inesperada, de encher o pulmão com o ar da vitória rebelde. E de pensar que não sabia como seria o futuro, mas que aquele seria um dos momentos mais felizes da minha vida, para sempre.


(segue...)

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Um vergonhoso festival

O centroavante César Maluco conta que quando entrou no Palmeiras, lá pelos já longínquos anos da década de 1960, o time era tão elegante e aristocrático que, quando marcavam um gol, os jogadores se cumprimentavam com um aperto de mão.

O tempo elegante e aristocrático do futebol ficou longe. O maior evento do esporte no qual as crianças antigamente se espelhavam, onde estavam os nossos heróis de infância, não apenas ganhou expressão mais livre como evolui para um festival de mau comportamento.

Alguns exemplos lamentáveis desta Copa vieram, como era de se esperar, do nosso comandante. Dunga xingou todo mundo ao final da partida Brasil e Costa do Marfim. Que o Brasil tinha ganho - imaginem se perdesse. Xingou depois um jornalista como um cão raivoso na sala de imprensa. O time do Brasil tem muito pouca graça com um líder resmunga tanto e se comporta como um buldogue maleducado, sob a justificativa de que as críticas o impedem de trabalhar à vontade.

O espírito guerreiro de Dunga se traduz mal em campo. Vide o zagueiro brasileiro Lúcio, um ardoroso defensor da Pátria, desferindo um soco no cotovelo sabidamente machucado do atacante marfinense Drogba.

O consolo dos brasileiros é que ninguém se saiu pior nessa Copa que os franceses. Xingaram uns aos outros, fizeram motim, trocaram acusações de tibieza e, para completar, perderam em campo vergonhosamente. Foram eliminados por times tecnicamente mais fracos, porém de melhor têmpera.

Os bleus cobriram de lama todo um país que se orgulha de sua cultura e da sua educação, a ponto da ministra do esporte tomar um avião para a África do Sul, na esperança não de controlar a situação, já perdida, mas de salvar um pouco as aparências. O papelão francês foi mais que grosseria: foi um festival coletivo de mau-caratismo.
Nem o treinador se salvou do naufrágio moral. Ao se recusar a cumprimentar o técnico adversário ao fim do jogo, deixando no ar a mão estendida do nosso Parreira, que na vitória como na derrota é sempre o mesmo gentleman, o francês Domenech deixou claro que o vexame futebolístico e ético da França não se deveu apenas aos jogadores.

Dunga falou em entrevista, emocionado, da educação que lhe deu o pai, hoje doente, e da mãe, que é professora de história. Sabemos por ele mesmo que ser filho de professora o ajudou a amar a pátria e a ter aquela disciplina espartana, com a qual conduz sua vida e a seleção. Porém, essa criação não o ajudou muito com a língua portuguesa, que ele atropela com a mesma volúpia com que gostaria de destruir adversários e opositores, principalmente na imprensa. E também não colaborou para conservar a noção básica da educação de que ficar xingando e destratando todo mundo é feio. Os pais tentam, sabemos, mas não conseguem tudo.

Por seu comportamento inadequado, Dunga ensaiou em seguida um pedido de desculpas, dizendo que o povo brasileiro não tinha que saber de seus problemas pessoais. Não se trata disso. Ele poderia ter problemas e trazê-las a público de maneira mais digna. No entanto, não deixa de ser verdade que o público vê futebol pela beleza do jogo, pelos momentos heróicos e emocionantes do esporte, pelo amor à pátria. E gostaria de ver aqueles que representam um povo se comportando de acordo.

Se esta Copa serve de exemplo, é daquilo que não se deve fazer. O futebol não perdeu apenas muito da paixão, convertida numa vontade de ganhar a qualquer preço, por trás da qual está a verdadeira motivação que hoje move o esporte: a ganância por dinheiro. E, quando isso acontece, desaparece a noção indispensável de honradez.
*
O Brasil ganhou de pouco dos coreanos, venceu a Costa do Marfim na base da ferocidade e empatou melancolicamente com Portugal. No jogo em que precisou fazer substituições de um time já cheio de reservas, Dunga entrou com Grafite, Josué e Ramirez. Ficou clara a falta de imaginação d eum time comandado por um técnico que se deu ao luxo de deixar de convocar Neymar, Ganso e Ronaldinho Gaúcho. O erros em algum momento aparecem.