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terça-feira, 7 de agosto de 2012

Oito jovens e uma arma


Raphael Montes tem vinte anos, está no último semestre de Direito, mora em um apartamento confortável em Copacabana, que divide com os pais, no Rio de Janeiro, e a prateleira de livros em seu quarto, com a coleção completa das obras de Conan Doyle, revela qual é seu maior interesse. Desde os 17 anos, com diligência rara para alguém tão precoce, ele escreveu um romance que surpreende pelo número de páginas, pela qualidade, e por coisas que provavelmente nem mesmo ele ainda sabe.

Suicidas, que está sendo lançado agora pelo selo Benvirá, já nasceu com uma história surpreendente. Concorrente entre mais de 1.900 originais da primeira edição do Prêmio Benvirá de literatura, em 2010, já seria extraordinário chamar a atenção entre tantos originais. A idade do autor surprende ainda mais – e revela uma curiosa faceta dos tempos virtuais, em que os jovens escrevem bastante, cada vez mais cedo, e melhor. E, por fim, o livro tem uma admirável densidade. A pretexto de uma história de mistério, Raphael acaba revelando muito mais: como pensam, agem e vivem os adolescentes e jovens da geração do próprio autor.

O ponto de partida de Suicidas é palpitante: um grupo de jovens se reúne no porão de uma casa para se matar. Um ano depois, uma investigadora policial convoca as mães para colaborar com o esclarecimento da caso, a partir de um novo achado: o diário de um dos suicidas, com pretensão a escritor. A partir desse texto, as mães passam a discutir e compreender melhor não apenas a morte brutal de seus filhos, que vem à tona da forma mais crua e chocante, como descobrem o quão pouco os conheciam e os motivos que teriam levado suas “crianças” a uma roleta russa.

Trata-se de uma versão extrema do dilema comum à maioria dos pais, que buscam entender um pouco mais os filhos nessa fase da vida em que eles se desligam da família e se tornam mais independentes – para o bem e para o mal. Os pais não sabem tudo o que acontece com os filhos lá fora e em geral descobrem os problemas muito tarde – especialmente envolvimento com drogas e outras encrencas. Numa geração que parece sem objetivos, movida de um lado pelas facilidades proporcionadas pelos pais, de outro pela aflição diante de um mundo sem perspectivas além das virtuais, a proposta do suicídio coletivo repentinamente se torna verossímil – e alarmante.

Ao escrever Suicidas, Raphael Montes procurava construir um romance policial, que intriga pelo ponto de partida e pela surpresa final. Crime ou suicídio? Porém, ao desfiar a vida dos integrantes do pacto suicida, ele acaba por forjar um profundo e interessante retrato da alma de pais e filhos nestes tempos em que os adolescentes e jovens vivem sob identidades secretas na internet.

Raphael vai apresentando seus personagens e suas complexidades sem pressa. O fio condutor da trama, a revelação paulatina do diário do jovem Alê, faz com que a sociologia da juventude ganhe fôlego e interesse reais de um thriller. Cada um pode tirar do livro o que achar mais interessante: a diversão pura ou o maior entendimento de quem é essa geração à qual o autor pertence.

Abusado e ambicioso, Raphael mostra que sua presunção tem algum fundamento. Não tem vergonha de querer aparecer e já se autointitulava “escritor” no facebook antes mesmo de ter seu livro publicado. Agora, Raphael Montes é finalmente um autor profissional, com um livro publicado - e mais. É desses escritores que não se sabe se é mais autor, ou personagem dele mesmo.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Diálogo com as pedras

Eu me lembro de tentar conversar com meus pais quando era adolescente e da sensação de não ser ouvido. Era o início da década de 1980 e, embora um pouco mais avançados que meus avós, eles pareciam não entender nada do que eu dizia. Essa é a essência da adolescência: a gente tenta se expressar, ser compreendido, e as palavras parecem inúteis. O velho não aceita ou compreende o novo. Nós pudemos ajudar a fazer ouvir a voz do povo que fez a democracia no Brasil, mas em casa a voz do jovem não valia grandes coisas.

Hoje eu tenho em casa um rapazinho de 14 anos; por conta dessa minha experiência, pergunto sempre o que acontece, tento estabelecer o diálogo que me parecia tão importante. O que pensa disso e daquilo? E namorada? E sexo? E ele... Não diz nada. Fica mudo, desconversa. Dentro de casa, passa a maior parte do tempo diante do computador. Ou no quarto, com a porta fechada.

Descobri que a barreira entre pais e filhos continua a mesma. Dessa vez, porém, para minha surpresa, não são os pais que não querem ouvir. São os filhos que não querem falar. Troquei de posição, mas continuo no meu diálogo com as pedras.

Consulto os amigos. A coisa não é só comigo. Nunca os adultos tiveram tanto interesse em entender os filhos adolescentes. Nunca foram tão flexíveis. Hoje há poucas proibições. Se quiserem, os adolescentes vêm namorar dentro de casa. O que no meu tempo de adolescência era algo impensável, hoje é até preferido pelos pais. Acham melhor que pensar nos filhos arriscando o pescoço por aí nesse mundo violento. Mas o interesse dos outros pais cai também no vazio. Eles obtém de seus filhos adolescentes tantas respostas para as suas perguntas quanto eu.

Percebo que há toda uma geração de adolescentes que, mesmo tendo pais abertos ao diálogo, não querem saber de falar. Continua aquele buraco negro que surge entre pais e filhos nessa fase da vida de ambos. O antigo conflito de gerações transformou-se em vácuo.

Como fui adolescente que queria falar sem ser ouvido, e hoje sou padrasto que quer falar e não sou escutado, tenho a sensação de que a minha geração é uma vítima rara das mudanças psicossociais. Pois as palavras, que eram inúteis, continuam inúteis. Aqueles que não foram ouvidos pelos áis, continuam a não ser ouvidos pelos filhos. Isso me leva a acreditar, com meu espírito radicalizador, que realmente não existe nem jamais existirá uma conexão verdadeira entre pais e filhos nessa fase tão importante da vida de ambos.

Acho que dá para entender os adolescentes hoje. Eles nunca foram tão controlados. Têm de andar de celular e assim sabemos onde estão, o tempo todo. Por medo de assalto ou coisa pior, eles não têm independência alguma. São levados de carro para o judô, o balé, o piano, a natação. Tudo o que fazem é pago. Nunca são simplesmente esquecidos ou deixados a andar pela rua.

Resultado, eles passaram a defender sua privacidade. Construíram um mundo no qual não podemos penetrar. Não gostam de contar com quem andam, o que conversam com os amigos, nem mesmo o que pensam. A internet e especialmente os bate-papos eletrônicos viraram uma área particular à qual o pai e a mãe não podem ter acesso. É a maneira que encontraram na vida contemporânea de ganhar identidade, liberdade e independência. Ao se esconder, eles tentam se afirmar.

Para qualquer pai, claro, é preocupante. Como um meio fácil de alienação, a internet tende a ocupar o tempo todo dos filhos. Eles caminham cada vez mais para a reclusão e o individualismo. Proibi-los de ter seu espaço, porém, é também tolher seu último refúgio. Trata-se de um dilema novo, assim como eram novos para nossos pais os dilemas que lhes impusemos.

A adolescência é uma idade que implica certos riscos, isso não mudou. Eles acabaram de ser crianças, acham-se adultos e não têm experiência. Os adolescentes de hoje tem muita informação e, por não ter liberdade, tem também pouca vivência e responsabilidade. Conversar seria importante. Se não há conversa, o que fazer?A resposta, creio, é nada. É preciso deixar que eles encontrem seu próprio espaço e voltem a sentir necessidade de se aproximar dos pais. É preciso vigiá-los e ajudá-los, mas respeitar a distância que impõem. Cada geração adquire afirmação para a vida adulta de uma forma. Essa é a deles, muito influenciada pela evolução tecnológica, que estimula a reculsão e o individualismo.

Que fazer? Parei de desperdiçar as palavras inúteis. Recolhi as pontes que vivi lançando para os outros a vida inteira. E espero o dia em que as palavras, e mais que as palavras, a busca pelo entendimento, a compreensão e o amor, voltem a ter valia. E me saíram estes versinhos, se é que chegam a ser versinhos:

Dialogar com as pedras
É tarefa de uma vida inteira
E do sussurro ao grito
Ouço de volta somente o eco