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domingo, 21 de junho de 2009

A democracia ameaçada


Não é apenas a profissão do jornalista que está em risco

Em seu arrazoado em defesa da extinção do diploma de jornalismo para o exercício da profissão, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, fez uma bela comparação. Disse que qualquer um pode trabalhar na cozinha de um restaurante sem diploma. E que no jornalismo seria da mesma forma: como se jornalismo fosse como fazer um coq au vin ou um virado de feijão.


Talvez o ministro Gilmar Mendes tenha uma certa razão. Se não é preciso qualificação para ser presidente do Supremo Tribunal Federal, porque ela seria necessária no caso de um simples jornalista?

Ao determinar o fim do diploma, num retrocesso de décadas, o STF consagra a tese dos donos de jornais e revistas no Brasil. Os patrões da imprensa encontram sempre um motivo nobre para ocultar seus interesses comerciais – o chamado vil metal. Alegam que a necessidade de diploma para o exercício do jornalismo cerceia a liberdade de expressão. Uma coisa, porém, não tem qualquer relação com a outra.


Liberdade de expressão é o direito de cada um dizer o que pensa. Ninguém pode ser preso ou discriminado por suas idéias – nem mesmo um nazifascista. A liberdade de expressão é uma conquista da civilização moderna, da qual a imprensa é apenas uma parte. A imprensa livre e profisisonalizada deve-se abrir a opiniões e pontos de vista contrários, à palavra do cidadão, do cronista, do comentarista. Mas não pode abrir mão da profissionalização.


A liberdade de expressão foi alcançada também muito com a ajuda da imprensa profissionalizada, que abre espaço para opiniões diferentes e respeita princípios éticos, pilares da imprensa livre e da própria democracia.


As faculdades de jornalismo foram criadas para fazer com que o futuro profissional do jornalismo passe necessariamente pelo aprendizado desses princípios, além da técnica. A necessidade do diploma específico reafirma a responsabilidade do jornalista, assim como o diploma de engenheiro é pré-condição para alguém fazer ou executar o projeto de uma ponte.


O problema é que quando uma ponte cai, a responsabilidade do profissional que causou o desastre fica evidente, assim como suas consequências. O dano causado por maus jornalistas não é tão evidente. Porém, não pode ser considerado menor. Um mau jornalista pode, inclusive, causar mortes. Fazer caírem pontes. E causar confusões ainda piores.


Num momento de transição da mídia em papel para o meio eletrônico, o que os veículos querem é apenas abrir as portas do mercado para rebaixar salários. Esquecem que assim rebaixam também a qualidade dos profissionais, justo num momento em que mais se pede a disseminação do bom jornalismo, agora que a informação vem se expandido na forma de blogs e outros veículos de informação pela internet. Assim, enquanto miram numa vantagem financeira imediatista, os editores cavam sua própria sepultura nesse tipo de negócio.


O fim do diploma do jornalista coincide, também pelas mãos do STF, com o fim da lei de imprensa. É certo que ela foi redigida no tempo da ditadura militar, mas o fato é que a imprensa se torna no Brasil cada vez mais uma terra sem lei. O STF argumenta que a imprensa deve criar um sistema auto-regulatório, como ocorre com a propaganda, que coibe abusos por meio de um conselho, o Conar. Esse caso, porém, não é assim tão simples.


Nenhuma regulamentação de qualquer atividade profissional suprime o que está na Constituição – é apenas a regulamentação de uma atividade profissional. Não se pode misturar as duas coisas. O diploma do jornalista nunca foi impedimento para a liberdade de expressão, muito pelo contrário.


Da mesma forma, não se pode ficar sem uma lei de imprensa, alegando que se trata de um “resíduo ditatorial”. Não se pode imaginar um mundo perfeito em que a liberdade plena jamais causará danos a terceiros de maneira eventualmente injusta. É preciso preservar a liberdade de imprensa, mas não se pode permitir que ela seja uma plataforma de defesa para a prática do achaque, da calúnia, ou da interpretação de fatos em benefício de interesses privados.


Por outro lado, não se pode prmitir tambem que a imprensa livre seja coibida por uma onda de processos sem cabimento. A ausência da lei específica deixa margem ao seu cerceamento por via judicial, com aliás já vem ocorrendo.



Desse jeito, aquilo que se apresenta como o regime de liberdade total vira terra de ninguém, zona de bandoleiros, em que o cidadão está à mercê de quem detém o poder dos meios de comunicação – contra os quais nada se pode fazer. E, agora, também de jornalistas de qualidade indistinta que não passaram necessariamente pelo crivo elementar da educação.


Assim como a liberdade de expressão, é parte da democracia também o direito de defesa, de proteção da privacidade e da honra. Democracia não quer dizer liberdade total, mas um sistema de direitos e deveres no qual a liberdade de um é limitada, sim, pelos direitos do outro.


Liberdade total é a anarquia. Se não podemos recorrer ao STF para evitá-la, porque o ministro Mendes não se importa com quem está cozinhando as notícias, a quem apelar?


Bem vindos, amigos, aos tempos do faroeste nos meios de comunicação, com imprevisíveis consequências.