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quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Para voltar à vida: Poema Sujo

Para voltar à vida, como eu, que hoje volto a escrever, como é bom ler: Poema Sujo, de Ferreira Gullar. O poeta que se acha perdido, às vésperas da prisão, da tortura, talvez da morte, numa cidade de outra pátria, não escreve da prisão, da tortura, da morte. Repassa a vida, a infância, a cidade natal, os personagens que afloram da memória: o que importa. E vemos São Luís do Maranhão, não essa dos cárceres dantescos, torturada pela dinastia Sarney, e talvez nem mesmo como ela já foi, mas como sabia a Gullar.

Um poema forte, mais belo no começo até, do que no final. Não rebuscado, nem complexo, ou profundo, como Leaves of Grass, o grande poema-testamento de uma vida, de Walt Whitman, escrito e reescrito ao longo dos anos, como se um escritor tivesse um livro apenas para escrever na vida, o livro dele mesmo. (Embora um autor saiba que, mesmo com muitos livros, todos eles falam de uma forma ou outra dele mesmo, de maneira que sua obra, no final, é como um livro só).

Leaves of Grass é extraordinário como testemunho, e poema sujo também, mesmo para quem não conhece São Luís, ou Gullar. cada um pode rever sua própria vida, porque ele provoca em nós as mesmas evocações. A docilidade da infância, os desejos da adolescência; a volta ao passado é uma volta ao interior de nós mesmos. Eu mesmo sinto uma coisa: quanto mais o tempo passa, mais me aproximo da infância, mais lembro dela, mas retorno aos sentimentos primeiros, que moldaram o que sou hoje, e são provavelmente as únicas coisas que nos restarão na hora final. Visitamos nossos labirintos, passagens que o tempo escava na gruta da alma, e, eu diria, até mesmo na nossa carne.

Para quem acha que o Brasil não tem grandes autores contemporâneos, ou quem menospreza a poesia, essa arte meio abandonada, receito como antídoto: Poema Sujo. Ele nos reanima, dá vontade de viver, dá valor á vida, faz respirar melhor. Foi escrito nos tempos duros da ditadura, mas é literatura moderna e que vai perdurar.

*

Cada dia fico mais perto da poesia, que hoje prefiro, mesmo, ao romance. É mais curto, mas lúdico, instigante, revelador. O romance descreve, reconta, sugere; fotografa personagens, momentos, cristaliza as ideias. Poesia faz o mesmo, mas sua linguagem está mais perto da alma; mexe com o próprio sentido das palavras, revolve significados, revolve ideias e sentimentos. Ao arrancar raízes, expô-las, ela nos liberta. Faz do conhecido algo mais, e sempre há mais, porque cada indivíduo tem seu próprio universo, infindo e com galáxias sempre inexploradas, como na vastidão estelar.