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quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

A breve história do Papa Cuco


Quando esteve no Brasil, hospedado no Mosteiro de São Bento, em São Paulo, o Papa Bento XVI ganhou dos repórteres que davam plantão na praça o apelido de "Papa Cuco". Animado com a multidão reunida debaixo da sacada da janela no quarto onde se hospedava, ele voltou diversas vezes para ouvir a manifestação da multidão que cobria o largo de S. Bento, para chateação dos jornalistas que, lá embaixo, esperavam que ele fosse enfim dormir para também ir embora. Cada vez que o Sumo Pontífice aparecia na janelinha, com aquele sorriso de quem estava gostando da bajulação toda, dava a impressão de estar marcando as horas, como num relógio de parede. Resultado, lhe pregaram o epíteto.

Conto essa história para dizer que o Papa Cuco será muito mais lembrado pelas suas esquisitices anedóticas do que por algo mais palpável no comando da Igreja. A maneira como ele comunicou sua renúncia, esta semana, é o ponto culminante da breve trajetória desse Papa insólito, até simpático, mas meio desastrado, que em nenhum momento correspondeu à mitra dourada ou sequer ao rústico cajado de um líder espiritual.

Ao desmentir a si mesmo no passado, Bento XVI já havia colocado em xeque a famosa "infabilidade" papal - um mito que a Igreja Católica faz questão de preservar.
Agora, com seu pedido de demissão, alegando "falta de forças" para continuar no cargo, Bento XVI lança um enigma sobre a comunidade católica. Como muitos outros papas em condições físicas muito piores saíram do Vaticano somente dentro do caixão escarlate, pergunta-se se não haveria algo ainda mal explicado na sua saída. Quem se lembra do escândalo do Banco Ambrosiano sabe que não seria a primeira vez se houvesse algo mais entre o Céu e a terra do Vaticano do que supõe a vã filosofia.

Quando foi escolhido, o cardeal Ratzinger tinha uma imagem bastante diferente da que deixa na saída. Dizia-se que ele era um sábio ardiloso que na prática já comandava o Vaticano, como uma espécie de eminência parda nos últimos anos do então já realmente fisicamente enfraquecido João Paulo II, falecido em 2005. No exercício do cargo, em lugar do Maquiavel de batina, Bento XVI variou entre um certo deslumbramento com o próprio cargo, como no Largo do São Bento, e certa incapacidade de encarar as grandes questões do catolicismo, que assiste hoje uma distância cada vez maior entre seu discurso e a prática cotidiana de seus acólitos.

Enquanto todos perguntam quem será o novo Papa, fico pensando em quem será o velho Papa: um homem diante do dilema de ter às mãos uma máquina sobre a qual não tem controle, impotente diante da necessidade de mudanças em uma estrutura monolítica, ou apenas um homem que perdeu, se não a fé em Deus, a fé em si mesmo? Por que não poderia um Papa simplesmente desistir, como ser humano que é, assim como nós pedimos demissão de um emprego que no começo parecia tão bom mas, com o tempo, se revela um pé no saco?

Sem ter feito nada de especial, o Papa teve seus momentos de glória, na sacada do largo de S. Bento, e em algumas outras ocasiões. Poderia ter desfrutado do cargo até o final, assim como Jânio Quadros, que em 1961 renunciou à presidência do Brasil falando em "forças" estranhas que jamais foram identificadas. Quem sabe sua renúncia seja, em vez de algo desapontador, prova de uma virtude que não é somente de desapego, mas de humanidade. Bento XVI é hoje apenas o retrato vivo e representativo de uma entidade poderosa que se encontra perplexa. E sai de cena em meio à perplexidade, deixando a cada um a tarefa de juntar as certezas que nos restam.