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quarta-feira, 30 de março de 2016

Conexões: A Conquista do Brasil

"Prezado Thales, boa tarde. Interrompi minha leitura de "A Conquista do Brasil" para procurar referências suas na Internet, até que encontrei o seu site. O objetivo deste é lhe enviar meus parabéns pela sua obra, que ainda não terminei de ler. Sou jornalista, entre outras formações, e por ter trabalhado com Educação e Turismo, já muito li e viajei pelas terras deste nosso Brasil e do mundo. Sou um entusiasta de História, notadamente do Brasil e dos grandes personagens do passado. Muito já li de diversos autores e continuo minha procura por novas e velhas obras que possam me enriquecer. Sua obra supracitada é especial, provavelmente a melhor leitura que fiz da história do nosso Paí­s. Aprendi ao longo do tempo que nossa herança cultural foi forjada com a mistura forçada de nossos antepassados de índios de várias tribos, portugueses e negros e, mais tarde, de outras imigrações. Essa mistura vem dos sangue derramado em guerras, do suor do trabalho árduo e escravizado e do sexo que miscigenou nossas raí­zes. Muito do nosso presente se explica olhando e estudando o passado. Quero lhe dar os parabéns pelo seu trabalho. Pelo prazer de poder ler transcrito o sentimento do sábio Anchieta, dividido entre o alí­vio de sobreviver às escaramuças, mas angustiado de ver muito do gentio dizimado. Obrigado. Um abraço. M. B."

Tenho recebido muitos emails como este de leitores de A Conquista do Brasil. Dá aquele alívio de ver que o trabalho alcançou o que eu desejava. E o prazer de contar com a simpatia das pessoas com quem a gente, pelo livro, acaba estabelecendo uma conexão.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Cunha, Dilma e a oportunidade de uma mudança histórica

A descoberta do dinheiro do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, sequestrado pela Justiça brasileira em sua conta já nada secreta na Suíça, é uma boa oportunidade para repensarmos o Brasil.

Não é nenhuma surpresa que um político use o cargo e sua influência no Congresso para trocar favores por dinheiro, primeiro, e depois pela própria sobrevivência. Cunha e seu partido têm tanta moral quanto o PT, cujo comportamento colocou a presidente Dilma Rousseff à beira do impeachment.

A lavagem pública de roupa suja proporcionada pela investigação de todas as partes envolvidas nessa história mostra apenas como a corrupção no Brasil é ampla, geral e irrestrita. É um aviso imperioso de que está na hora de mudar.

A crise por que passa o Brasil não é acaso. Como não é acaso o atraso educacional, político, econômico e social em que nos encontramos. Passam ciclos ilusórios de crescimento e a realidade de novo surge como um soco no nariz. Este Brasil  da crise é que é o verdadeiro.

Nós, brasileiros, nos acostumamos a pensar que o Brasil está atrasado em relação ao chamado Primeiro Mundo porque somos um país jovem, que começou, portanto, depois. Não é verdade. Quando os portugueses começaram a se interessar pelo Brasil, na metade do Século XVI, como mostra A Conquista do Brasil, meu mais recente lançamento (Editora Planeta), a Europa ainda era um continente medieval, em que as pessoas defecavam na rua e viviam sob o terror da Inquisição.

Países hoje considerados avançados como Espanha, Inglaterra e França se perdiam em guerras internas, em um processo ainda de consolidação do poder central, depois da divisão da terra ocorrida na era feudal. Não havia a noção de democracia, de direito civil, muito menos de bem estar social.

Enquanto o Brasil vivia da exploração da cana e se tornava o último país do mundo a abolir a escravidão, a Europa passou por uma verdadeira revolução, emergindo da Idade Média. A Europa moderna que vemos hoje foi construída nos mesmos 500 anos em que se fez o Brasil.  Nesse período, outros países do Novo Mundo, como os Estados Unidos e Canadá, construíram modelos políticos e econômicos muito mais bem sucedidos a partir do zero. E hoje estão muito à frente na escala do desenvolvimento econômico e social.

O que fizemos de errado? O Brasil permaneceu sob o domínio de castas que trazem da origem os mesmos defeitos hoje vistos na nossa classe política. Nasceu como um país de saqueadores, que vinham para cá de olho nas imensas riquezas naturais do território brasileiro, para levar os recursos embora. Hoje, continuamos fazendo a mesma coisa: há uma elite encastelada no poder, que usa seus privilégios para enriquecer e levar o butim para as contas de bancos na Suíça ou comprar sua casa com um pier particular em Miami, sempre à margem da lei. Nada diferente dos primeiros donatários e da burguesia colonial dos quais os empresários e políticos encastelados no poder são hoje herdeiros.

O Brasil foi mantido sob as rédeas de uma elite latifundiária que formou uma aristocracia baseada na rapina. Nós nunca respeitamos a lei no Brasil. Este país sempre foi considerado uma terra a ser explorada para depois ser abandonada, ou continuar sendo sugada, e não um lugar para morar, construir algo, criar os filhos.

O brasileiro nunca respeitou a lei e a coletividade no Brasil . Quer se dar bem, e só. Quando consegue levar o dinheiro embora, mora ricamente no exterior, onde se comporta como um cidadão exemplar. E ainda fica falando mal do país que o gerou. Se o Brasil é uma bagunça, é justamente por conta de tipos assim, que deveriam olhar para o próprio umbigo.

Mesmo quando surge alguém diferente, assume no poder a mesma postura. Em vez de honrar a proposta com a qual se elegeu, o PT desceu ao mesmo nível de seus antecessores. Mostrou que o chamado "trabalhador" brasileiro, quando no poder, também o vandaliza. Uma frustração enorme para o vasto eleitorado que depositou no partido a esperança de algo diferente - e melhor. Porque a mentalidade da elite é um mal que está no ar, se espalha, contamina a sociedade.

O Brasil não vai mudar enquanto não mudar a mentalidade da sua elite, o que inclui a elite política, a empresarial e seus mimetizadores vindos do sindicalismo e dos que blasfemando se intitulam representantes dos "movimentos sociais". Não vamos mudar enquanto a mentalidade do brasileiro for a do saqueador, a do espoliador, que nos acompanha desde o desembarque dos degredados nas praias brasleiras.

O Brasil só vai mudar quando houver espírito público, e entendermos que o que é do Brasil tem de ficar no Brasil. E  aqui é que devemos construir um país de respeito, para que seja respeitado pelos próprios brasileiros. A partir disso, poderemos quem sabe caminhar para o desenvolvimento sustentado, em vez de viver aos trancos e barrancos.

Talvez essa seja uma tarefa para as futuras gerações. A casta de políticos que temos hoje já se comprovou espúria, como as anteriores. É um desapontamento profundo, especialmente para alguém como eu, que, como cidadão e jornalista, batalhou anos a fio pelo restabelecimento do Estado de Direito, pela redemocratização e a criação de uma sociedade mais desenvolvida, justa e equilibrada, e achava que estávamos no bom caminho.

É fundamental a educação para vermos se conseguimos dar mais um passo. Acima de tudo, temos de entender de onde vêm nossas mazelas, esse nosso caráter que nos impede de ir adiante. Somente uma mudança profunda será capaz de erradicar a mentalidade da elite brasileira e fazer com que entendamos que o progresso coletivo é também o sucesso individual, resgatando o espírito público.

Pegar quem rouba com a mão na cumbuca é um bom começo. Punir esses figurões que jogam o Brasil no atraso enquanto se locupletam é uma oportunidade histórica para mudar a página e escrever outra, livre dessas práticas. Sem isso, continuaremos vivendo no atraso. Não podemos passar outros cinco séculos assim.

A importância de São Paulo na Conquista do Brasil

Agora que O Caminho do Brasil está indo para a terceira tiragem, começa também a chegar às mãos dos professores, que têm nessa obra uma instrumento muito importante para a formação dos estudantes. O livro mostra muito bem o DNA das nossas virtudes e defeitos. E compreendê-los é o melhor caminho para melhorar, numa hora em que o Brasil precisa, e muito, melhorar.

O Caminho do Brasil é recomendado sobretudo aos professores de São Paulo. Mostra a importância dos paulistas na formação do Brasil colônia, subestimada na maioria dos livros de História, como a Biografia do Brasil, que praticamente começa pela indústria do açúcar no Nordeste, e dedica somente 14 páginas ao período do nascimento brasileiro.

Capa da segunda impressão
Ao escrever A Conquista do Brasil, eu mesmo fiquei surpreso sobre quanto não sabia a respeito da nossa gênese - e da participação dos paulistas. Desde João Ramalho, misterioso criminoso que se instalou no planalto e criou uma indústria de escravos índios, São Paulo teve importância fundamental na formação do país.

Foi a guerra criada pelos mamelucos de Ramalho contra os índios que terminou no massacre dos tupinambás na baía da Guanabara, com a participação dos portugueses, sob as bençãos dos padres jesuítas.  Os paulistas não apenas ajudaram a fundar o Rio de Janeiro como repartiram suas terras com a Igreja. Estenderam a colônia ao sul, abaixo de Santa Catarina, e depois pelo sertão. Com isso, se instalaria de fato a colônia portuguesa na costa brasileira, ainda além do que comandava o Tratado de Tordesilhas.

Os paulistas foram os primeiros brasileiros de verdade. João Ramalho foi o Adão do Brasil. A partir dos seus múltiplos casamentos com as índias, criou-se uma raça que reunia a ambição dos portugueses ao conhecimento da mata. Era gente feroz, que recebeu a denominação de "mameluco", empregado originalmente aos guerreiros mouros, por quem os portugueses tinham grande admiração. Horrorizavam os jesuítas, por viverem quase como os índios, razão pela qual São Paulo foi fundada longe da vila da Borda do Campo, onde Ramalho era praticamente um rei - uma distância grande o suficiente para se proteger dele, e perto o bastante para recorrer a ele, quando necessário.

Essa figura lendária, que teria seus dias de glória e morreria no ostracismo, é essencial para compreender a origem dos paulistas e do Brasil. Independente, pouco afeito a obedecer a administração central, numa terra que dependeria de aventureiros para sobreviver, seu espírito permaneceu vivo por gerações. E encontrou seu momento certo no final do Século XIX, quando o declínio da economia rural no Nordeste, baseada no trabalho escravo, deu lugar ao trabalho assalariado na plantação de café e no processo seguinte de industrialização que transformaram São Paulo no carro chefe da economia nacional.
Ramalho na versão edulcorada

A guerra, a mutação dos jesuítas, que de catequizadores se transformaram aos poucos em patrocinadores do esforço de guerra, a posição estratégica de São Paulo na marcha para o interior, tudo está em A Conquista do Brasil com grande riqueza de detalhes. Ali se descortina a história  muito próxima da realidade de seus protagonistas, com uma revisão de documentos originais deixados por administradores, jesuítas e viajantes, como o alemão Ulrich Schmitt, que descreveu a Vila de São Paulo como um lugar de "dar medo", ao ali passar, vindo de Assunção no Paraguai pelo caminho conecido como Peabiru.

A Conquista do Brasil é, de fato, uma história de dar medo, com canibais, guerreiros sanguinários, administradores corruptos e padres implacáveis. É também a origem deste país que está aí, e ao terminar o livro deixamos de nos surpreender com o fato de que em muitos aspectos ainda estamos lutando para ser civilizados.

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

A influência do índio no Brasil - de hoje

Um antigo companheiro da revista Veja, amigo de longa data, assiste à minha entrevista ao Jô Soares, e manda pelo Facebook uma pergunta com aquela pimentinha típica: "Só não entendi essa história de 'como o índio entrou no brasileiro'. "

E a resposta está na sua própria pergunta.

Realmente nós, brasileiros, temos uma enorme dificuldade de comprender como a sociedade brasileira incorporou o índio. Para nós, o povo massacrado pelos portugueses no Século XVI é uma coisa do passado, e hoje se resume àquela gente que sobrou, circunscrita aos recônditos da Amazônia ou ao Parque Nacional do Xingu, a célebre reserva indígena criada pelos irmãos Villas-Boas. Nada portanto a ver conosco.

O fato, porém, é que ó índio está no nosso DNA, como bem mostra A Conquista do Brasil, onde está claro o esforço não só para exterminar o índio como apagar os vestígios de sua influência. Apesar do empenho do colonizador imperialista e sanguinário em exterminar aquela gente insubmissa, o índio não contribuiu apenas com os nomes de lugares, ruas e cidades por todo o país. Sua cultura e seu comportamento estão arraigados na sociedade brasileira. De uma forma tão profunda que nem chegamos a perceber, porque já é quase impossível dissociá-la da nossa personalidade como Nação.

Como mostra a malícia da pergunta do amigo, o  brasileiro gosta de fazer pouco das coisas, de desvalorizá-las, de falar mal dos outros. Isso chega a extremos. Quando morre alguém conhecido, ou há alguma crise, no instante seguinte o brasileiro está fazendo piada. Esse é um comportamento típico do índio brasileiro. Não respeitamos nem gente que morre em desastre aéreo.

Assim como o índio, o brasileiro não gosta de autoridade. Nas sociedades indígenas, incluindo aquelas que os portugueses encontraram no Brasil ao desembarcar, o chefe é um servidor da comunidade e na realidade tinha pouco poder. Para os índios, o chefe servia para lhes dar presentes. E nem por isso lhes deviam servidão ou sequer reconhecimento. Uma atitude muito típica do brasileiro, que quer que o governo proveja tudo, mas está sempre pouco disposto a colaborar.


Os índios eram uma sociedade de subsistência, que viviam na abundância e não viam sentido em acumular riqueza nem planejar  o futuro. O brasileiro não planeja o futuro. Isso tem consequências em todos os planos. O brasileiro quer comprar uma geladeira e uma TV de última geração assim que recebe um dinheiro, mas não guarda recursos para a aposentadoria, como fazem outros povos, dos Estados Unidos ao Japão. De maneira geral, o brasileiro é consumista e imediatista.  Junta para o dia. Há algo do índio aí.

O índio não tem responsabilidade com as coisas. Faz coisas graves como se não tivessem efeito. Pode matar um ser humano e em seguida sair dando risada, como testemunha muita gente, incluindo os próprios irmãos Villas-Boas, no seu livro A Marcha para o Oeste. Assim como o índio, o brasileiro é inconsequente. Estes dias em que nos deparamos com os bilhões roubados da Petrobras e de outros estamentos da administração federal, nos perguntamos como alguém pode ser inconsequente a ponto de achar que ninguém descobriria uma roubalheira desse tamanho, maior que o PIB de muitos países, capaz de levar estatais à bancarrota e à falência de toda a administração pública. É nossa mentalidade silvícola na gestão pública.

A corrupção não é um problema do governo, é da sociedade que a permite. Ela se instala de forma generalizada e custa a deixar o nosso dia a dia porque está enraizada. Contagia a todos, do alto escalão da administração federal ao fiscal de rua. No setor privado, desce do capitão de indústria, que concorda em pagar propina para obter preferência na obra pública, até o cidadão que ultrapassa o outro na fila, trafega pelo acostamento para evitar o engarrafamento ou tenta dar o célebre "jeitinho", sempre alguma forma de se livrar dos pequenos regulamentos que põe ordem ao dia a dia.

Isso é resultado da porção silvícola em nossas veias, em nosso comportamento, em nossa sociedade. Gostamos de ver o lado bom da nossa porção indígena, que ajudou o brasileiro a ser um povo alegre, que enfrenta as dificuldades com certa leveza, que não se preocupa tanto e consegue ser mais flexível e tolerante com regras e pessoas. Porém, não gostamos de olhar para o lado negativo desse mesmo comportamento, que nos leva a ser uma sociedade desorganizada, propensa à corrupção, à falta de planejamento e que gosta de criticar a si mesma sem se corrigir de fato.

A melhor maneira de melhorar é entendermos a nós mesmos, sem receio de olhar para  nossas mazelas. Ao fazer um mergulho no passado, A Conquista do Brasil propicia também o exercício de psicanálise de uma Nação, trazendo do berço seus traumas e características. Somente essa terapia pode nos ajudar a entender cada um que cria o país adulto de hoje e trabalhar de forma coerente para melhorá-lo.



A Conquistado Brasil: entrevista a Jô Soares

http://globotv.globo.com/rede-globo/programa-do-jo/v/jo-soares-entrevista-o-jornalista-e-escritor-thales-guaracy/4375541/

terça-feira, 28 de julho de 2015

A cultura do apedrejamento


Quando a gente publica um livro ou faz qualquer coisa que seja pública tem de estar preparado para tudo. Há os amigos, os fãs, os leitores que podem gostar ou não, assim como há também um tipo de gente raivosa que gosta de atingir os outros, uma raiva aparentemente gratuita. Estava demorando, mas outro dia apareceu um desses na Amazon, fazendo um comentário sobre A Conquista do Brasil, usando porém o livro para me ofender, sabe-se lá o motivo. Depois o post foi retirado, creio que pelo próprio autor, mas ele dizia em palavras bem baixas, resumindo, que ler o livro era perda de tempo e eu sou um zero à esquerda.

Ninguém faz mal aos outros de propósito, acredito, e menos provavelmente se faz mal a gente que nem se conhece, mas parece que há pessoas que se comprazem em atacar os outros gratuitamente, talvez para descarregar seus complexos. O rancor do leitor desconhecido é da mesma categoria que tem como maiores vítimas o presidente da República, o técnico e o juiz de futebol. E agora também o jornalista, que anda recebendo sua cota parte da hidrofobia alheia.

Mais recentemente, quando aceitei o desafio de dirigir a revista Playboy num momento já muito crítico das finanças da publicação, sofri bastante recebendo mensagens ou lendo coisas de "leitores" aos quais eu nem podia responder, porque a gente precisa manter a compostura, do cidadão e do profissional. Cansei de ler barbaridades que deixariam qualquer um abismado, só por estar num lugar de visibilidade para os apedrejadores randômicos. Me xingavam, me chamavam de burro, faziam acusações obscenas, me denegriam. Ao mesmo tempo, exigiam que eu escutasse a eles, blogueiros, como se fosse não um funcionário da Editora Abril, mas um criado deles, que se arvoravam o papel de representantes dos leitores. E faziam demandas irrealizáveis, do tipo "se o Corinthians não contratar o Neymar é porquesão todos uns idiotas". Sem conhecer nada, especialmente a realidade, a situação, e sobretudo a pessoa.

Ao chegar, tive de saída que demitir metade dos profissionais da redação para acertar as contas da publicação, algo que já é muito desgastante, não só para quem sai, como para quem fica. Precisava fazer uma revista melhor, que vendesse mais, num mercado declinante, com metade do dinheiro e do pessoal. Tive que diminuir drasticamente o cachê das mulheres que posavam para a revista, com uma dificuldade e um desgaste enormes de convencimento . Conseguimos algo: tivemos novamente repercussão, Playboy teve ótimos resultados para o momento, com as melhores vendas em muito tempo e ganhou uma sobrevida, num momento em que a própria empresa já ia anunciando o seu fim. Mesmo assim, fui tratado por alguns blogueiros e afins como se fosse mais um culpado pela decadência da publicação que dizem amar. Coloco "dizem" porque esses eram os mesmos que faturavam em cima de notícias sobre Playboy e pirateavam as fotos da revista, e dessa forma eram muito mais responsáveis pelas suas dificuldades do que seus salvadores.

Em Playboy, passei a sentir na pele como vivem os profissionais de futebol, como Muricy Ramalho, com seu propalado mau humor, fama que o acompanha muito por conta do tratamento ríspido que ele dispensa aos jornalistas. Conheço Muricy pessoalmente, é uma pessoa alegre e amável. Mas é submetido diariamente à crítica, muitas vezes irracional, tanto de torcedores quanto da própria imprensa. Isso acaba envenenando o ser humano, por melhor que seja, ainda mais alguém sensível, como ele - Muricy é uma pessoa amorosa, afetiva, e que, mesmo sendo reconhecidamente um vencedor, sente a necessidade de criar uma carapaça para sobreviver ao veneno destilado ao seu redor.

Esse aprendizado reforçou em mim uma convicção. Eu já fui duro como crítico de futebol, mas revi minha postura. Não falo mal de técnico de futebol. Não acho que todo mundo tem obrigação de ganhar. Entendo a paixão clubística, mas acho que ela não está acima do respeito às pessoas. Campeão só tem um. Se não soubermos reconhecer o mérito também dos outros, praticamente ninguém tem valor.

Esse é o defeito maior da sociedade americana, que cultua a divisão do mundo entre os célebres "loosers" e "winners". Como os "winners" são poucos, gera-se uma sociedade de perdedores, ou que se acham perdedores. Com isso, cria-se a animosidade geral e um clima de guerra em que sobretudo os homens vão se tornando profundamentes infelizes, rancorosos e amargurados. E projetam seu fracasso nos outros, exigindo que vençam por eles, para se sentirem menos mal.

Falar mal dos outros, como dono da razão e da moral, parece ser uma atitude muito típica do brasileiro. Para o brasileiro, mais até do que para o americano, só presta o vencedor. E muitos acham que a rede social é como futebol, em que o torcedor já vai para o estádio preparado para xingar o juiz, chamar o técnico de burro e coisas piores sem consequência. E todo mundo acha isso normal.

O mesmo se pode dizer de boa parte dos críticos no Brasil - e falo dos criticos em geral, do futebol à literatura. Eles pensam pouco no esforço de quem produz e não valorizam o brasileiro produtivo. Com duas canetadas, querem provar sua superioridade sobre quem faz, sua inteligência superior. Falar mal é uma norma. A menos que se trate de uma celebridade já formada. Quando já existe o sucesso, o crítico demolidor se transforma num dócil gatinho. São dois lados de uma mesma postura acovardada: a truculência contra os "fracos" e a subserviência aos "fortes".

Eu acho que está na hora de combatermos a cultura do apedrejamento. Primeiro, porque a raiva causa mais mal a quem a sente. O perdão não é feito para quem recebe, e sim para quem o dá. Este é o maior ensinamento das Escrituras. O perdão alivia o peso que a pessoa com raiva sente, com possíveis consequências para a própria saúde, já que não é possível alcançar o bem estar vivendo envenenado.

A raiva incubada no indivíduo se estende para toda a sociedade, que vai se tornando disfuncional, insatisfeita e, no limite, violenta. Hoje essa violência latente se propaga nas redes sociais, tem se manifestado na violência das ruas e me dá a impressão de que vivemos num caldeirão de ressentimento e intolerância: enquanto a tecnologia avança para o futuro, em mentalidade a Humanidade continua a mesma da Idade da Pedra, com a diferença de que o barbarismo agora é manifesto e catalputado pelos novos meios digitais e em tempo real. É como colocar metralhadoras na mão dos guerrilheiros tribais africanos. Eles continuam tribais, só que agora matam muito mais do que no tempo em que tinham apenas um chuço.

Eu preferia que o post rancoroso estivesse lá, na Amazon. Não só porque ele não me preocupa, nem por falta de comentários elogiosos. Há um impressionante boca a boca a favor do livro que, já em reimpressão, é um sucesso de vendas. É que sou do tipo que acha que nos definimos mais pelos inimigos do que pelos amigos. Eles mostram quem somos. Eles nos dão força. O post do meu desafeto involuntário falava mal, na verdade, dele mesmo. Acho que ele percebeu, e por isso retirou o que escreveu.

A raiva, o ressentimento e a intolerância se tornaram doenças contemporâneas. O remédio não é a repressão, porque não há como ser contra a liberdade, ao menos a de expressão. Pode-se impedir um sujeito de sair nas ruas jogando coquetéis molotov, mas não se pode proibir os xiitas sociais de falarem o que pensam, por pior que seja. O que fazer? Pessoalmente, eu recebo elogio e crítica da mesma forma, agradecido, quando tudo é tratado com educação. E é com educação também que procuro neutralizar os cães ladradores. Eles nos lembram da necessidade da sobriedade e nos ajudam a passar adiante enquanto fazem seu barulho.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

O retorno dos leitores em A Conquista do Brasil

A melhor crítica sempre é a do leitor. E também a mais importante. Dos leitores é que saem as recomendações que realmente vendem livros. Fico muito satisfeito, agora que os primeiros leitores começam a acabar de ler ‪#‎AConquistadoBrasil‬ com o resultado que colho diariamente. Gente que eu não conheço, gente de longe, que rompe a barreira da distância para mandar mensagens de carinho e de agradecimento. Como a de hoje, da leitora R. M., de São Paulo, que reproduzo aqui, e dizexatamente o que eu desejava ter alcançado com esse trabalho:
"Thales, parabéns por seu livro, por suas pesquisas, por seu texto perfeito, enfim, por tudo que compõe um excelente livro. E pela releitura original que você faz a respeito não apenas sobre o fato histórico, mas, principalmente, a respeito da formação da sociedade brasileira. Obrigada por ter me 'ensinado' tanto a respeito de parte da minha própria origem. Afinal, minha tataravó era, salvo engano, tapuia. Meu orgulho só aumentou pela minha ascendência."
Bacana! Eu que agradeço a gentileza do retorno.

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Nem os portugueses sabem


Para minha satisfação, a editora Planeta, que publica A Conquista do Brasil no mercado brasieliro, adquiriu os direitos também para a venda do livro em Portugal, onde deve ser lançado até o final do ano. Uma pesquisa recém divulgada pelo jornal Folha de S. Paulo mostra o motivo de tanto interesse pelo livro, disputado ferozmente com outra editora de prestígio. Segundo levantamento solicitado pela Folha, a pergunta mais feita pelos portugueses no Google é: "quem descobriu o Brasil?" E a segunda é: "quem colonizou o Brasil?" Isso vem na frente de "como conseguir um emprego no Brasil". Uma pergunta que os portugueses também se fazem há centenas de anos.

O começo do Brasil é ainda tão pouco conhecido dos brasileiros quanto dos portugueses. Os primórdios do descobrimento foram sempre pouco pesquisados e valorizados como raiz da nossa história. Para se ter uma ideia, o best seller "Brasil: uma biografia", lançado este ano pela Cia das Letras, dedica apenas 14 das suas mais de 500 páginas aos descobridores e primeiros colonizadores do país. Mais centrado em explicações esquemáticas da economia brasileira, o livro destaca em primeiro lugar a criação da indústria açucareira, como se o Brasil tivesse realmente começado ali.

Como se pode ver em A Conquista do Brasil, a ocupação da costa brasileira começou bem antes, foi muito mais aventuresca, sangrenta, rica e complexa. A indústria açucareira é posterior e apenas uma peça da formação do Brasil e da sociedade brasileira. O começo, assim como a primeira infância na formação, temperamento e personalidade de todo indivíduo, é mais importante do que nos acostumamos a pensar. Um conhecimento mais profundo desse período, como revela A Conquista do Brasil, é decisivo para a compreensão do país de hoje e da sociedade brasileira.

O Brasil não foi descoberto pelos portugueses. E a história da colonização envolve guerra e a participação da Inquisição contra os "hereges", assim compreendidos tanto os "hereges canibais" quanto os "hereges protestantes" do Rio de Janeiro. Além da participação de figuras hoje legendárias, que o livro recupera, mostrando como eram verdade, a começar por João Ramalho, Manoel da Nóbrega, José de Anchieta e líderes indígenas dos quais se sabia pouco até aqui, como Aimberê e Cunhambebe. A indústria açucareira veio depois e por acaso - como mostra o livro, foi iniciada, bizarramente quase sem querer, graças a uma história de amor.

A  história não é feita apenas de movimentos de lógica econômica, e sim da ação de indivíduos movidos por paixão, ambição, ou simples obra do acaso. A história é construída pelo homem, que nem sempre obedece a trilhos da razão. Explicar o Brasil é entender o brasileiro, desde a sua infância, o seu DNA. Por isso acredito que A Conquista do Brasil permanece leitura essencial - para portugueses e brasileiros.


http://www1.folha.uol.com.br/asmais/2015/06/1641394-quem-descobriu-o-brasil-perguntam-portugueses-em-site-de-busca.shtml

quinta-feira, 11 de junho de 2015

O Brasil tem jeito?

Estive no Rio, no último dia 8, promovendo o lançamento de A Conquista do Brasil, na Livraria Cultura do Cine Vitória, na Cinelândia. Dessa vez, participei de uma conversa com uma ativa plateia sobre o livro, as origens do Brasil, da sua política e do comportamento político, com a gentil participação da jornalista Cristina Serra, do Fantástico, da TV Globo.

Eu e Cristina nos conhecemos há muito tempo, desde a faculdade, e nos encontramos esporadicamente ao longo da carreira. Ela acumulou longa experiência na convivência com os políticos e a política, em seus 17 anos cobrindo Brasília pelo Jornal Nacional. Fora da tela, sempre foi uma mulher afiada, de ideias formadas e muito empenhada em contribuir para o progresso do país, especialmente na área social.

No debate, Cristina nos deu seu retrato da política, de quem conviveu e convive com ela de perto. Em Brasília, os políticos tendem a defender os interesses que os elegem, que não são necessariamente do eleitorado, e sim dos apoiadores financeiros que sustentam suas campanhas. Na prática, existem menos os partidos, que têm pouca importância, e mais grupos de interesse - como a bancada ruralista, a bancada evangélica e assim por diante.

Como autor de um livro que mostra desde o início da construção deste país como são feitas suas práticas, eu permaneço na pergunta que me levou a escrevê-lo: será que não conseguimos nos livrar da má política, especialmente da corrupção, por questões congênitas? Será possível mudar um país campeão de corrupção sem muitos anos de educação e depuração de uma sociedade que se acostumou a ver seu país como um rico território aberto para o saque, e que só respeita a lei quando está em Miami ou Paris, para onde leva o dinheiro do butim?

Cristina acredita firmemente que a questão pode ser resolvida com um melhor controle dos financiamentos de campanha, que estão na baila na atual reforma política. É preciso que os partidos tenham meios de se sustentar com seus filiados, e não com umas poucas empresas contribuintes, que assim compram seu lobby em Brasília.

Concordamos em muitas coisas. Uma delas é que o Brasil ainda está no começo e nossa geração, em tempos dos quais ambos participamos ativamente como profissionais de imprensa, fez o país avançar muito - da velha e emperrada ditadura militar a um país mais jovem, onde prevalece o Estado de  Direito, num regime democrático, com uma economia muito mais estável e que empreende um esforço considerável no sentido de diminuir as diferenças sociais.

É verdade que recentemente paramos nesse caminho - e a onda de corrupção faz parecer que tivemos um terrível retrocesso. Porém, gente como Cristina, com seu sorriso sempre confiante e sua certeza patriótica, me fazem manter as esperanças. O Brasil ainda não será um país de estrangeiros que nasceram aqui, e sim de gente que pensa não apenas no próprio bolso, como também no bem coletivo, no progresso deste lugar do qual dependemos, todos. É preciso coragem. E não desanimar.


terça-feira, 2 de junho de 2015

A importância do Rio de Janeiro em A Conquista do Brasil


No próximo dia 8 de junho, segunda-feira, faremos o lançamento de A Conquista do Brasil na Livraria Cultura do Cine Vitória, no Centro do Rio. Uma data especial, não só pela presença da jornalista da TV Globo Cristina Serra, com quem vou promover um bate papo sobre a política e os políticos de hoje e suas raízes na origem do país, como pela importância do Rio de Janeiro no livro - e na história do país.

Pouca gente sabe por que o Rio foi capital brasileira e é uma cidade tão importante na nossa cultura e história. O Rio virou capital por obra do Marquês de Pombal, que considerava sua fundação o verdadeiro marco da colonização do país. Em A Conquista do Brasil, se entende a razão. Até a fundação do forte no morro Cara de Cão por Estácio de Sá, a costa brasileira ainda tinha zonas onde os portugueses não entravam - especialmente o entorno da baía da Guanabara, onde a resistência à colonização se concentrava.

A fundação do forte de São Sebastião foi o princípio do extermínio dos índios tupinambás, que se entrincheiravam em grandes aldeias, transformadas em verdadeiras fortalezas, como aprenderam a fazer com os franceses protestantes. O combate aos índios, que uniu três forças - galeões de guerra vindos de Portugal, a armada do governador Mem de Sá e os mercenários paulistas - foi engendrado e promovido pelos jesuítas, que desejavam erradicar de uma vez os "hereges" do Brasil - tanto os índios, "selvagens canibais", quanto os franceses protestantes.

O resultado disso foi um massacre que não poupou mulheres, velhos e crianças. Estácio de Sá morreu após agonizar por um mês, consequência de uma flechada no olho. Tinha 22 anos. A costa brasileira foi finalmente integrada sob o domínio português. As terras da Guanabara foram distribuídas entre portugueses, paulistas e os próprios jesuítas, que se transformaram nos maiores latifundiários do Novo Mundo.   O Rio de Janeiro foi trasladado do forte, que  mais servia a propósitos militares, para o mais aprazível Catete.

 A conquista do Rio é um dos episódios mais importantes da história brasileira e enriquece nosso entendimento do que é o Brasil. O célebre historiador e brasilianista Kenneth Maxwell escreveu na revista Época que essa é uma passagem "absolutamente fascinante" de A Conquista do Brasil. Tenho que concordar com ele.

terça-feira, 26 de maio de 2015

O médico e o escritor: uma história do lançamento de A Conquista do Brasil

Lançar um livro dá um certo nervoso, mas eu sempre tive experiências maravilhosas nessas noites de festa, que me lembram do motivo pelo qual eu escrevo, e a verdadeira natureza da conexão que fazemos com as pessoas.

Quando lancei Amor e tempestade, em 2009, apareceu uma moça trazendo um exemplar de O Homem Que Falava com Deus, um romance de 2003. "Mas o livro não é esse", eu disse. Ela respondeu que sabia, claro, mas pedia que eu autografasse aquele. "Queria te mostrar isso." Abriu o livro, folheou-o na minha frente: e não havia uma única página que não estivesse cheia de linhas sublinhadas ou de comentários nas margens. Estava tudo rabiscado. "Li o teu livro pelo menos 20 vezes", ela disse, para meu espanto. "Marquei cada frase." Reparei, porém, que as últimas vinte páginas estavam completamente limpas. "Não li o final", disse ela. Diante do meu espanto, explicou: "É que eu não quero que ele acabe."

Livraria da Vila, Shopping Higienópolis, quarta feira passada, 20 de maio de 2015.  Lançamento de A Conquista do Brasil. Entre parentes, amigos e leitores, surge na minha frente à mesa de autógrafos uma colega de faculdade a quem não via há trinta anos, o que já seria uma maravilha. Ela, porém, coloca na minha frente um exemplar de Campo de Estrelas.

"Mas esse não é o livro", digo eu.

"Eu sei", ela responde. "Mas eu queria que você autografasse esse aqui, para o meu marido." E disse o nome dele.

Ela explicou então que o marido estivera internado com câncer no pâncreas. E que lera para ele o meu romance no hospital. Campo de estrelas é baseado na história do meu próprio tratamento de um câncer de bexiga, mesclado à história meio mágica de uma viagem que fiz quando adolescente com meu pai, Alipio. Presente e passado se fundem para dar coragem diante da maior das angústias. "Esse livro foi muito importante para ele", disse. "Ajudou-o a sair do hospital."

Impressionado, perguntei onde estava o marido dela. "Está por aqui mesmo", ela disse. Não havia tido, porém, coragem de vir com ela me pedir autógrafo pessoalmente. Disse que podia chamá-lo, seria um prazer conhecê-lo. Atendi mais uma ou duas pessoas e ela voltou, desta vez com o marido. Levantei e fui falar com eles.

"Eu só vim para te agradecer", ele disse. "Seu livro me ajudou muito, você não faz ideia de como é importante para mim. No hospital, cada dia eu queria viver até o dia seguinte, para saber como ele continuava."

Disse também que conhecia o médico que inspirava o personagem do livro: Eric Roger, cirurgião do Einstein, que me operou e tratou. "Mas você faz o quê?" - perguntei. "Eu sou médico", disse ele.

Resolvi também fazer uma confissão. Quando Eric revelou que estava com câncer terminal, fato que escondeu por muitos anos, e ficou meses internado no Einstein, eu fui lá visitá-lo. E também li Campo de Estrelas para Eric, sentado ao lado da cama. 

Achei que seria bom aliviar a emoção do momento. 

"Acho que esse é mesmo um livro para ser lido em hospitais, como a revista Caras no cabelereiro", disse.

Rimos. Mas o abraço que aquele homem me deu na despedida trouxe a certeza de que, se não tivesse servido para nada mais, todo o meu esforço escrevendo livros estaria recompensado ali.

Lançamentos trazem surpresas. E dão energia para continuar. Meu próximo livro será um romance. Vamos ver o que acontece em fevereiro de 2016.

http://www.saraiva.com.br/campo-de-estrelas-5246424.html
http://www.saraiva.com.br/o-homem-que-falava-com-deus-4404472.html












sábado, 2 de maio de 2015

O esforço e o sentido de A Conquista do Brasil

Amigos me perguntam quanto tempo levou para escrever A Conquista do Brasil, ou quanto tempo se leva para escrever um livro. Para mim, é uma resposta difícil de dar: o livro começa a surgir com o interesse do autor, às vezes de forma difusa e muito tempo antes de se concretizar. No caso de A Conquista do Brasil, é resultado de muitos anos de interesse e trabalho, mesmo na época em que eu mesmo nem sabia por que juntava tanta coisa sobre o assunto.

Hoje eu sei: minha vontade de escrever um livro de história nada tem a ver com o passado, e sim com as preocupações com o presente. Elas são mais candentes hoje, com  a polarização política, a corrupção monstruosa e as ameaças veladas ao processo democrático que duramente minha geração ajudou a construir. Tudo isso nos faz pensar no que há de errado com o Brasil, em quem somos nós, brasileiros, e como podemos melhorar como Nação. E as respostas vêm lá de trás.

Entender as raízes mais antigas e profundas dos nossos problemas, estudar o começo, onde está o nosso DNA, é o caminho para mudar e melhorar a realidade de hoje. Como na psicanálise, para entender o que somos é preciso voltar à primeira infância. Fazer uma regressão.

O Brasil é um país que inventou muita coisa sobre si mesmo: o país do carnaval, do samba, do futebol, das mulatas, do Pão de Açúcar, do bom baiano, do brasileiro cordial. Com isso fica difícil explicar, ou mais fácil de acomodar, o país da corrupção, do abismo social, do racismo camuflado, da violência urbana, da direita truculenta e da esquerda hidrófoba.

Compreender o Brasil antigo é um esforço que exige muitos ângulos: o jornalístico, da pesquisa e informação bem apurada; o sociológico, para entender a formação do povo; o antropológico, que ajuda a compreender sem preconceito os índios e seu papel em todo o processo. A Conquista do Brasil deve muito à minha formação em Ciências Sociais, especialmente antropologia política.

Livros de etnólogos pouco conhecidos do público, como Pierre Clastres e Helène Clastres, me ajudaram a compreender o mecanismo social e político das sociedades ditas primitivas do Brasil, assim como a religião e sua influência psico-social, especialmente nas tribos do tronco tupi-guarani. A antropologia, no sentido geral, ajuda também a ver as coisas como eram, sem preconceitos modernos, seja na compreensão do canibalismo indígena, parte de um sistema social, seja na mentalidade dos primeiros portugueses, incluindo os jesuítas.

Ajudaram também as editoras brasileiras, especialmente a Itatiaia, que publicou há muito tempo as obras completas dos primeiros viajantes e historiadores brasileiros, e que eu comecei a colecionar, no princípio sem outro propósito além de querer saber mais.

Mais recentemente, uma ajuda inestimável veio da iniciativa do espólio do empresário José Mindlin, que disponibilizou obras raras de sua coleção pessoal, gratuitamente, na internet. E a própria rede social, que facilitou acesso a documentos que antes demandavam viajar a Portugal para serem consultados, razão pela qual a história que aprendemos nos bancos escolares até agora ainda era baseada no trabalho de pesquisadores do final do século XIX e começo do século XX, como Capistrano de Abreu.

Por último, e não menos importante, está uma certa experiência de vida. Passar alguns dias entre os índios do Xingu, por exemplo, me deu exata noção de como é para um ocidental estar no meio deles, em circunstâncias não muito diferentes das que tiveram pela frente homens como José de Anchieta e João Ramalho. Devo essa experiência à iniciativa do amigo, empresário e aventureiro James Lynch. Mesmo a enrascada em que nos metemos, sendo submetidos a um perigoso tribunal indígena, me deu melhor noção do que é encarar o risco de vida numa aldeia diante dos índios em seu próprio meio, como aconteceu com Hans Staden e o próprio Anchieta, que em sua cartas narra ter passado por julgamento semelhante.

Escrever, portanto, é a junção de muita coisa. Um livro é produto de um enorme esforço, onde colocamos tudo o que sabemos, num esforço físico e intelectual exaustivo. Quando terminamos, estamos esgotados, e isso é só o começo, porque um livro nada é, se não tiver leitores. Seja qual for o resultado, porém, para mim terá valido a pena.

sexta-feira, 24 de abril de 2015

Reler o Brasil sem preconceitos

Na releitura da história brasileira, em que podemos ver claramente o DNA do Brasil, aquela matéria celular da qual nos formamos, minha maior dificuldade foi me despir da moral e da ética moderna, para emitir julgamentos sobre personagens que, muitas vezes, podem parecer execráveis ou incompreensíveis pelos códigos de hoje.

A história do Brasil está recheada de personagens como o padre Manuel da Nóbrega, que em suas cartas chamava os índios de "negros"; o padre Anchieta, o santo brasileiro, que dizia que o problema do índio no Brasil só seria resolvido "pela espada e a vara de ferro"; ou mesmo os índios canibais: Cunhambebe, por exemplo, dizia que podia comer a própria espécie porque na realidade era "um jaguar".

Procurei realizar um esforço antropológico, no sentido contemporâneo da ciência, de entender o outro despido de preconceitos. O tempo fez mudar muitos conceitos: o mameluco, por exemplo, que hoje é visto como uma categorização racista, naquela época era um conceito elogioso: designava os guerreiros respeitados, no caso os capitães de mato paulistas, descendentes de portugueses e índios. O termo vinha dos combates nas Índias Orientais, e referia-se aos generais valorosos que os portugueses enfrentavam nas batalhas contra os mouros, uma casta belicosa que mostrava seu valor nas frebets de batalha.

Na formação do Brasil estão muitos dos elementos que combatemos ainda hoje, a começar pelos governantes malabaristas, que tinham poderes para dividir a terra, e transferiam propriedades para "laranjas", que depois as retransmitiam de volta, apenas para contornar a lei que os impedia de beneficiar a si mesmos.

É difícil separar o que era o "normal" da época, como a implicação racial nos escritos de Nóbrega, para quem o "negro" era todo mundo menos o europeu caucasiano, e empregava o mesmo termo para os mouros, do que já era proibido ou antiético. É difícil, também, entender a necessidade do genocídio dos índios, que no entanto não podem ser vistos como vítimas de um massacre: eram uma sociedade que não sabia viver sem guerra, já havia dizimado os ocupantes anteriores da terra, e encontrou um inimigo mais forte.

O ritual do canibalismo e a guerra permanente fazias tão parte de suas regras consideradas naturais quanto para nós é hoje o Estado de Direito. E os jesuítas enxergaram isso claramente, assim como o fato de que, se não podiam catequizar aquela gente, não havia outra saída para salvar a colônia nascente (e a fé cristã) do que eliminar toda aquela gente. Isso implicava no massacre de velhos, mulheres e crianças, uma erradicação cultural comparável ao massacre indígena na América espanhola.

A Conquista do Brasil convida a uma revisão geral, não apenas da história como de nossos conceitos diante da História. Mostra que a face que nós brasileiros gostamos de mostrar é um tanto ilusória; o país do "carnaval, do samba e do futebol" esconde um espírito beligerante, selvagem e impiedoso que está na origem da formação do nosso país. É mais fácil entender o que acontece na política e na sociedade brasileira depois que compreendemos e aceitamos esse DNA. E isso nos dá, também, mais instrumentos para melhorá-lo.