quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Anita e Garibaldi: a maior história de amor de todos os tempos


Eu sempre senti o desejo de escrever sobre Giuseppe e Anita Garibaldi, mas hoje já não sei bem se era mesmo um desejo ou um pressentimento. Achava sua história fascinante, e escrevê-la uma tarefa ambiciosa, já que muitos julgam conhecer bem seus personagens. O que eu tinha de novo a dizer sobre eles?

Como uma mensagem divina, às vezes temos uma visão. A minha foram aqueles mastros batendo através das janelas retangulares, na casa da infância de Garibaldi, em Nice. Ali, achei que o tinha compreendido, afinal. E mais: achei ter entendido o papel em sua vida - e vice-versa - da mulher que ele realmente amou.

A casa onde nasceu Garibaldi, na antiga Nizza dos tempos em que esse pedaço da França ainda era Itália, fica em frente ao porto. Ali Garibaldi cresceu, olhando aqueles mesmos mastros se entrechocando do lado de fora. Dormia, respirava, vivia o mar.

Foi criança de pé no chão, pelas vielas estreitas da cidade velha, no alto do morro debruçado sobre o Mediterrâneo: ele viu aquelas ruas, como eu via; ele viu o mar azul cerúleo, trazendo as pedras roliças, na orla onde hoje se perfilam lojas, restaurantes e um cassino; viu o horizonte onde céu e mar se fundem desde tempos imemoriais.

Eu creio que entendi a gênese de Garibaldi, o herói. O que ele sonhava. O que queria. E, como uma extensão dele mesmo, entendi a mulher que amou. E sua importância. Para ele, maior que a dele mesmo.

Para escrever direito um romance, como este que sai agora em abril pela Editora Record, é preciso entrar nos personagens, estar no seu tempo, viver sua vida, buscar seu sentido original e verdadeiro. Como acontece com os atores que interpretam personagens reais na TV ou no cinema, um autor precisa encarnar cada uma das pessoas a quem ele dá novamente a vida. Enquanto escrevemos, aprendemos com eles, sentimos o que sentem, agimos coerentemente com isso, e assim a história ganha cor, dimensão, realidade.

Por algum tempo, para escrever Anita, eu tive de ser Anita, e sobretudo Garibaldi, que conta, do seu ponto de vista, a história da mulher que ele conheceu como ninguém.

Hoje todo mundo estranha quando me vê de barba comprida, que deixei crescer ao longo dos últimos meses. Insconscientemente, não bastou eu tentar me sentir como Garibaldi; eu quis parecer Garibaldi, viver Garibaldi, para conhecer Anita e interpretar o que hoje, a meu ver, me parece ser a maior história de amor de todos os tempos.

Uma barba, para mim, não é apenas uma barba: tem algo de primitivo, de guerreiro, de certo espírito indomável. Durante o tempo em que escrevi o romance, eu fui Garibaldi. Passei com Anita as mais lindas - e também as mais duras horas. Não foi fácil, inclusive para quem está em volta.

Durante a semana em que escrevi a passagem mais dramática do livro, minha mulher reclamou que eu andava intragável. Disperso, no jantar só olhava para o prato, esquecido de comer. Isso é ela mesma quem conta: nem lembro. Mas sei que ela tem razão. Eu transpirava bile, dor, revolta, raiva. Fiz ela sofrer comigo. (Meu amor, perdão). Mas ela entende. E ajuda.

Enquanto eu vivia nesse mundo paralelo, criado no trânsito entre a mente e o teclado do computador, algo foi mudando em mim. Uma maior compreensão da coragem, do heroísmo, da mulher, da mãe, do casamento, do sentido da vida. Um livro não funciona, não causa seu efeito, se no processo da escrita o autor não vive tudo o que está ali.

Só assim um romance sai verdadeiro, fruto da experiência humana. O leitor só recebe o impacto de um romance se o autor passar primeiro por ele. Anita foi, para mim, como o choque contra um caminhão.

Saí de Anita diferente. Não tirei a barba. Algo do livro ficou em mim. Não sei quanto tempo vou conservá-la. Felizmente, minha mulher compreende a barba, suas implicações. Gosta, incentiva. Vive comigo as mais estranhas travessias. Sofre junto, se alegra, me conforta nas horas mais certas. Algumas vezes ela diz que eu posso ser lido como um livro. Ela sabe, sem eu dizer nada.

Garibaldi teve muita sorte. Eu também.

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