quarta-feira, 25 de novembro de 2015

A proposta de Playboy para Ísis Valverde e o futuro do nu na internet

Em maio de 2013, uma atriz brasileira recebeu a maior oferta em dinheiro para posar nua na história de Playboy. Foram cinco milhões de reais, para Ísis Valverde. Por meio de suas agentes, ela respondeu gentilmente. Recusou.

Sei disso porque fui eu que fiz a proposta. Como diretor  do Grupo Playboy, à época, eu estava determinado a devolver Playboy a velhos e bons tempos. Porém, os tempos eram diferentes. Estrelas como Ísis já ganhavam aquele montante, até mais, fazendo publicidade. Não se encantavam com o dinheiro. Podiam escolher.
Ísis: não éuma questão de dinheiro

Playboy já não tinha tantos recursos quanto antes. Para fazer a proposta, precisei do apoio da Editora Abril, que ainda não havia decidido se livrar da revista, como fez com todos os outros títulos licenciados. Roberto Civita, que me convidou para levantar a revista, havia morrido fazia apenas um mês, mas o presidente da Abril Mídia, Jairo Leal, ainda lhe dava suporte. Só que as coisas mudavam rapidamente, na empresa e na comunicação.

Havia uma grande mudança social e de mercado, à qual Playboy precisava se adaptar. Claro, o leitor ainda queria as grandes estrelas. Porém, era o mesmo leitor que, assim que saía a revista, copiava as fotos e as espalhava na internet. O que ajudava, portanto, a derrubar as vendas da publicação que ele gostaria de ver fortalecida.

Para as estrelas de Playboy, a era da reprodutibilidade do conteúdo passou a ser um problema. No passado, os contratos garantiam um uso limitado de fotos, que acabava quando a revista saía de circulação. Havia às vezes um número determinado de fotos que poderiam ser usadas em restrospectivas e edições históricas. E só. A mulher não ficaria nua para sempre, como acontece quando uma foto cai na internet. Com a difusão pela internet, de onde Playboy precisava começar a tirar o dinheiro, já não havia essa garantia.

Mudança na operação

A Playboy americana logo percebeu a sinuca em que a colocou a nova era da comunicação. Já não publicava mais celebridades nuas na edição impressa. Mudava seu perfil para uma publicação de serviço masculino, de bem viver, com o nu de mulheres bem escolhidas, porém menos conhecidas. E foi além nessa política no mês passado, anunciando que deixará de publicar ensaios nus completamente.

Num tempo em que o nu sobrecarrega a internet, faz sentido. Hoje, ninguém precisa da Playboy ou das revistas masculinas para ver o nu. O fato de não ter mais exclusividade sobre o próprio material que produz, e a dificuldade em convencer estrelas a posar, fez com que o coração do negócio de Playboy sofresse um colapso.

Ao ver a dificuldade que teria em convencer estrelas a posar, fosse qual fosse o dinheiro, tomei outra direção. Jairo Leal saiu da Abril Mídia e do conselho da empresa. Os conceitos e a conduta de Roberto Civita foram rapidamente abandonados. Quando a Editora Abril decidiu cortar o investimento em Playboy, e chegou a anunciar o fechamento da revista, em julho de 2013, porém, eu já havia mudado meu modo de operação.

Primeiro, promovi um corte de gastos violento na estrutura e no pessoal. E uma derrubada dramática dos cachês oferecidos às mulheres em Playboy. Já que milhões não faziam efeito, não importava que Playboy já não tivesse dinheiro. Teria de ser por outro caminho. Posar para Playboy tinha de ser pelo desejo de entrar para uma galeria de celebridades, que vinha desde Marilyn Monroe. Retratar a beleza de uma mulher no seu auge para guardá-la. Algo que a própria estrela pudesse ver eternizada, que a congelaria para o futuro, o tempo em que a beleza passa.

Esforço de sedução

Os cortes de gasto funcionaram. Com isso, demos à publicação dois anos de sobrevida. E, com um grande esforço de sedução, ao custo de alguns cabelos brancos e muitos sapos engolidos, consegui colocar em Playboy mulheres extraordinárias, como Nanda Costa, então estrela da novela da oito da TV Globo, edição mais vendida em três anos, desde Adriane Galisteu; e a também atriz Antônia Fontenelle, que decidiu derrubar a reclusão da viuvez, um ensaio entre os melhores da história da revista. Isso deu alento às vendas. Porém, não era o bastante. Era preciso alinhar a publicação com os novos tempos, prepará-la para aumentar a receita dentro de um novo paradigma.

Playboy já dava à Abril a maior receita de mobile na empresa, com a venda de fotos exclusivas e vídeos que produzíamos junto com a edição impressa. Mas a Abril recebia apenas 20% daquela receita - a parte do leão ficava com as operadoras de telefonia. Minha ideia era fechar o site e internar 100% daquele dinheiro. Isso ajudaria a custear a publicação impressa e pagaria os royalties à Playboy International sem problemas.

Porém, já desinteressada por títulos licenciados, que dependiam do pagamento de direitos, a Abril decidiu fechar o site de Playboy. Criou uma landing page que jogava os leitores para a página de VIP. Eu me tornava um problema. Quando comecei, nove meses antes, Playboy tinha 250 mil seguidores no Facebook. Naquela altura, tinha 1,4 milhão. E a empresa reclamava do custo adicional pelo espaço que Playboy estava ocupando no servidor.

Estava selado o futuro da publicação dentro da empresa. E minha participação nela. Graças às mudanças que tinham sido feitas, por algum tempo valeu mais a pena manter a revista do que fechá-la. Porém, com o passar do tempo, sem uma fonte de receita alinhada com o futuro, a queda progressiva de venda e de receita da publicação inevitavelmente a estrangularia novamente. Foi o que aconteceu até o anúncio, há uma semana, do encerramento do ciclo de Playboy na Abril, uma história com 40 anos de glórias.

O futuro do nu

Playboy continua a ser uma das marcas mais fortes do planeta. E Playboy.com seguirá seu caminho na internet, com conteúdo de qualidade. Mas o futuro do nu deve ser diferente. O olhar de Playboy sobre o nu sempre foi de respeito, admiração, culto à beleza da mulher. Playboy manteve um alto padrão de qualidade, evitou a vulgaridade, para tratar a mulher como ícone de beleza a ser venerado. Em vez de vulgarizá-la, dava-lhe supremo valor. Isso ainda pode ressurgir, talvez em contraste ou reação ao conteúdo livre da internet. Cada um pode escolher o que gosta. E o nu clássico de Playboy ainda poderá ter o seu nicho.

Hoje o vasto terreno a ser percorrido é virtual. Os homens (e muitas mulheres) certamente continuarão a pagar pelo nu, incluindo de celebridades. Mas esse nu certamente não será o mesmo dos padrões a que os leitores se habituaram a ver na revista de antigamente. Será certamente um nu mais discreto, artístico, capaz de revelar a beleza, sem no entanto avançar demais, para não misturar-se à avalanche de conteúdo do mesmo gênero à qual se tem fácil acesso pelo meio virtual. E, claro, as estrelas irão posar para eternizar seu momento. Já não é, nem será mais, uma questão de dinheiro.

Playboy já não detém a exclusividade do nu. Por isso, terá também de trabalhar com custos mais baixos. Depois de um forte downsizing, que reduziu sua estrutura nos Estados Unidos a um 1/4 do que era, a Playboy americana voltou a crescer, em outras bases, com um site sólido, pago, com bom serviço, e seu conceito de estilo de vida masculino, que não deixou de existir. É o processo pelo qual devem passar todas as empresas de comunicação. Ainda mais aquelas que, no passado, dependiam em grande parte do papel.

2 comentários:

  1. Anselmo Prado25/11/15 5:11 PM

    E qual a situação da Revista VIP? O senhor acha que ela corre algum risco num futuro próximo?

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  2. Anselmo, acredito que VIP continue. Porém, como todas as revistas, também terá de se adaptar bastante. Abs

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