quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Contra o tempo

Aceitar o tempo, viver o presente, buscar a sabedoria: há maneiras de reverter o relógio

Lembro de uma festa de criança, quando tinha seis anos de idade, em que resolvi nunca mais comemorar meu aniversário. Tinha medo de que ninguém aparecesse na festa, ou algo assim; é tão importante o carinho das pessoas que gente como que passa a ter medo delas, ou da falta delas.

Nunca me dei muito bem com o tempo. Nunca penso nele, o que é também uma maneira de pensar nele o tempo todo. Isto perpassa minha própria atividade: a literatura, assim como a reportagem, para mim sempre sempre foi uma maneira de tentar congelar as horas. Escrever é lutar contra o tempo. Destinada à derrota, como tudo o que se volta contra esse dragão imortal.

O tempo leva a vida e nada do que se possa escrever é grande, belo e palpitante como ela. Nada do que se escreve pode reproduzir ou substituir o ser humano. Ideias, memórias, sentimentos lançados no papel são apenas uma mensagem distante, resto do que somos, como pinturas rupestres, vasos desencavados na terra e outros vestígios arqueológicos.

Sorte de quem tem a oportunidade de dar e criar a vida, por meio de filhos: a nossa única forma verdadeira de continuidade. Mesmo com filhos, a missão mais difícil de todas é aceitar o tempo. É difícil envelhecer sem angústia, com dignidade.

Não se pode viver pensando no tempo, porque isto traz ao dia a dia a lembrança da morte. Para viver uma vida plena, não podemos sofrer antecipadamente com sua perda. A vida se gasta e não podemos ter dó de gastá-la, assim como quem planta bons frutos não pode ter pena de comê-los.

É preciso aproveitar o tempo, nosso único bem, aquele com que podemos fazer o bem aos outros, e deixar assim no mundo algum patrimônio. Muitos vêem a linha da vida como ascensão na juventude, apogeu na meia idade e a velhice como o declínio. Mas o homem só envelhece quando deixa de fazer o que gosta e de fazer o bem ao outro. Quem faz o que gosta e beneficia o próximo não tem razão para sentir a idade, nem o tempo: desfruta da vida sempre. Um homem com mais idade sempre poderá pensar que há muitos jovens que morrerão mais cedo de que ele.

A vida se torna uma linha ascendente quando o que buscamos da existência é a sabedoria e a felicidade, pois elas estão sempre mais adiante. Quem se compraz com suas realizações, cultiva a vida com outras pessoas e busca a paz espiritual se aproxima da sabedoria; para isso, o tempo nos favorece, pois esse é um trabalho progressivo e permanente.

Um homem pode ser jovem e já parecer um ancião, pois a velhice é o estado de espírito de quem se deixa abater pela finitude da vida. Da mesma forma, um homem em idade avançada pode rejuvenescer se encontrar motivação e o frescor da antiga juventude em suas realizações, descobertas e nos laços afetivos.

Ele também rejuvenesce de corpo e alma se mantém acesos seus sonhos e ideais e busca atingir sempre um grau maior de sabedoria. Já quem tem medo da morte não é jovem nem é velho, pois não vive.

A sabedoria é um bem adquirido, mas jamais alcançado na sua plenitude. Ela é um desafio permanente para o homem e um estímulo para que ele olhe sempre à frente. Conquistá-la não depende de vigor físico, de forma que o homem, quando envelhece, está ainda mais preparado para dedicar-se a ela e encontrar nova função no mundo, que é iluminar aqueles que o seguem logo atrás.

Tantas reflexões sobre o tempo, e o tempo não existe. O que vale é apenas o presente: ele iguala os seres humanos na mesma idade. Um jovem pode morrer mais cedo que um ancião e para ele a juventude terá sido sua velhice, enquanto para muitos anciãos a velhice pode ser sua juventude.

Sim, o tempo não existe; é tudo, e simultaneamente nada. O gênio cabeludo que disse que o tempo é relativo estava enganado. O tempo é natureza e a natureza é absoluta; a relatividade é só do homem e seus conceitos.

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