quinta-feira, 28 de novembro de 2013

A beleza da segunda divisão



O Palmeiras ganhou com folga a série B do campeonato brasileiro e eu, como palmeirense, só posso dizer: foi muito bom. Nós, palmeirenses, nem tivemos que prestar atenção na série A, que deve ter sido o campeonato mais chato da história, com o Cruzeiro ganhando de longe, sem jamais ser ameaçado por ninguém. Enquanto isso, a gente... Nada de jogo nervoso. Nada de sofrer. O Palmeiras desfilou pela série B. E fomos bicampeões.

A série B tem enormes vantagens. Primeiro, a gente ganha 70% das partidas, garantido. Além disso, é uma tranquilidade. Nos jogos, só tem a nossa torcida. Os estádios sempre ficam meio vazios. Dá pra levar as crianças sem medo de confusão. A gente grita e o técnico escuta. Tomamos sorvete, conversamos, aproveitamos o calorzinho da tarde. Tem jogo terça e sexta-feira, não atrapalha o fim de semana. E, como o Palmeiras ficou sem campo, passa mais vezes na televisão sem pay per view.

Ir ao jogo na série B é mais ou menos como antigamente, quando eu era criança e meu pai me levava aos estádios pela mão. Os adversários são humildes e sempre sabem que somos os favoritos. Só entram para se defender. Como o Palmeiras da década de 1970, o jogo acontece sempre no campo do adversário. (Quando eu era criança, e torcia pelo Palmeiras de Leão, Leivinha, Luís Pereira, Dudu e Ademir, no intervalo do jogo eu e meu pai mudávamos de lado na arquibancada, porque o jogo também mudava de lado).

Jogar a série B dá nostalgia da velha academia. A partida, fosse com quem fosse, até o Santos de Pelé, era o Palmeiras o tempo todo com a bola no pé, no campo adversário. Precisávamos do goleiro apenas para resolver uns dois ou três contra-ataques. O Leão, com sua camisa azul e o calção bicolor, branco na frente e verde atrás, passava a maior parte do tempo na meia lua, com a mão nas cadeiras, assistindo à partida. Tinha gente que achava que ele devia pagar ingresso. Que importa se agora enfrentamos o ASA de Arapiraca? A sensação é a mesma. E a série B não deixa de ter emoção. Por exemplo, virar o jogo sobre o Payssandu somente aos 46 do segundo tempo certamente é um momento que fica gravado para sempre na memória.

Cheguei a uma conclusão. Acho que o Palmeiras devia cair sempre da série A. Assim, teríamos certeza de sermos campeões ano sim, ano não. Além disso, para o Palmeiras, ser bicampeão é pouco. Temos muito para igualar na série B a glória do passado que a camisa verde acumulou na série principal. A diretoria, espertamente, já entendeu isso. Daí a decisão estratégica de renovar o contrato com o Gilson Kleina.

Cair de novo não deixa de ser um objetivo à altura do nosso time, para o ano do nosso centenário. Começamos a caminhada para o Tri! Queremos a hegemonia da segundona!

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

A morte e a morte do seu Alvarino



Três meses atrás, era a informação, que teria vindo de uma tia da minha mulher:

- Seu Alvarino morreu.

Que tristeza sem tamanho. Perguntei de quê. De câncer, disseram.

Ninguém menos indicado para morrer de câncer. Quando penso no câncer, penso na vida contaminada das cidades, nas pessoas amarguradas ou estressadas, nos alimentos perniciosos e no ar mefítico das metrópoles. Todas essas coisas que, para mim, sem nenhuma confirmação médica, ocasionam essas disfunções celulares no ser humano. O seu Alvarino, não. Era um puro, de vida, de alma. Até na cara. Albino, tinha o cabelo e a cara brancos. Um anjo, e sábio, porque já estava meio velho.

Plantava. Tinha um viveiro de mudas, em São Bento do Sapucaí. Foi uma das primeiras pessoas que conheci na cidade, quando lá comprei um sítio, faz já 15 anos, ou mais. Uma alma boa. Uma vida boa. E câncer. Câncer! Aquilo me tirava qualquer confiança na vida.

Alvarino estava sempre entre suas plantas, chapelão na cabeça. Fala mansa. Andava com sua velha Caravan caindo aos pedaços sempre cheia de verde saindo pelas janelas, como se fosse o motorista de um grande vaso enferrujado. Vendeu para mim as plantas que coloquei no sítio com tanto carinho.

Certa vez, me deu uma porção de mudas de árvores.

- Os passarinhos estão vindo para a cidade porque já não tem muita árvore de fruta silvestre no campo - disse ele. Fiquei maravilhado em ver aquele homem com uma preocupação que já escapa ao ser humano corporativizado: os passarinhos. - Te dou de graça, se você plantar.

Paguei, fiz questão de pagar. E plantei. Amora. Pitanga. Pêssego. Um monte de coisa. Tudo para os passarinhos.

Certa vez, a meu pedido, Alvarino foi no meu sítio. Tirou pedras que as crianças tinham enterrado nos vértices de velhas jabuticabeiras. Limpou galhos e troncos do musgo parasita que as cobria. Devagar, com amor e atenção, como quem dá banho em uma criança.

- É preciso tirar sempre essas oportunistas - disse ele. E me alertou: - Deixa sempre também molhado em volta, um pingo, sempre. Jabuticabeira gosta de água.

E as árvores nunca foram tão bem. Naquele ano, deu jabuticaba como nunca. (Os passarinhos comeram mais do que eu).

Aceitei a morte do seu Alvarino como um desses fatos tristes da vida, que nos tira as melhores pessoas. A cidade já não seria a mesma, pensei. A vida já não seria a mesma.

E cerca de um mês depois, já dando aquilo como favas contadas, ao passar pela cidade, cruzei rapidamente com o velho viveiro. Com um rabo de olho, avistei mas não acreditei. Estava lá ele, seu Alvarino. Caminhando ali entre as plantas. No meio de uns empregados.

Primeiro, pisquei os olhos: achei que tinha me enganado. Depois, brequei o carro. Deixei-o encostado de qualquer jeito na calçada e voltei vinte metros, a pé. Entrei no viveiro. Feliz como nunca, diante daquela ressurreição.

- Seu Alvarino! Me disseram que o senhor tinha morrido!

Ele estava magro, de cara chupada, movimentos ainda mais lentos que os de sempre. Confirmou que tivera câncer. Passara maus bocados, num hospital de São José. Mas não tinha morrido, não. Estava vivo. E melhorando.

Foi um milagre: eu exultava. Conversei com ele um pouco, contei que tinha mudado para outro sítio, um pouco mais distante. Precisaria de mais plantas. Queria reflorestar a cabeceira da água. E disse que estava muito satisfeito pelo fato de ele estar ali. Fui embora revigorado.

Muito bem. Digo agora a que vem isto tudo. Hoje, abro o Facebook, três meses depois. E dou com a notícia: "Seu Alvarino morreu".

Pensei: Ah, não. De novo?

- Tem testemunha? - perguntei a minha mulher.

- Três pessoas diferentes já confirmaram.

É duro ter uma tristeza duas vezes. Duas mortes, da mesma pessoa, em tão pouco tempo.

Acho que sempre que passar ali, na estrada, na altura do viveiro, vou dar uma olhadinha. Só pra ter certeza. Ou na esperança de ver o amigo, vivo, de novo. Outro milagre. A morte e a morte do seu Alvarino ainda não me convenceram. O mundo precisa das pessoas boas. E isso devia ser mais forte que esses golpes do destino.

Só me conforta pensar que o Alvarino deixou muita vida por aí. Não só por seus filhos, mas pelo que fez pelos outros e pela natureza. Com aquele seu jeito sem pressa de viver, até mesmo de cobrar a conta, de quem não liga para o tempo. Existe muita coisa que ele literalmente plantou, ou ajudou a plantar. Com seus cabelos brancos, as mãos brancas, as botas sete-léguas, o chapelão de palha.

Essas sementes estão por aí. E, com o tempo, podemos colher.