sexta-feira, 12 de julho de 2013

Uma lição que é um soco na cara


Não é à toa que se diz que determinadas lições são como um soco na cara.

O brasileiro Anderson Silva, nocauteado pelo americano Chris Weidman em sua mais recente luta pelo MMA, deve conhecer agora o valor do ditado. Recebeu literalmente um direto no queixo.

Silva protagonizou um dos maiores papelões da história. Ao lutar com Weidman, e fazer o que fez - baixar a guarda, provocar e fazer pouco do adversário - talvez quisesse imitar Muhammad Ali, um grande lutador, mas que fazia a mesma coisa. Só que Silva, diferente de Ali, tomou um golpe certeiro que o mandou à lona já desacordado.

Muhammad Ali levou tantos golpes na cabeça que ficou precocemente incapaz de falar e se mover direito - logo ele, que dizia, no seu estilo falastrão, picar como uma abelha e se mover como a borboleta. Ao menosprezar o adversário, o falastrão Silva mostrou uma empáfia que é mais comum ver em americanos que em brasileiros. E levou um nocaute exemplar.

Nessa noite, Weidman foi mais brasileiro que o próprio Silva. Enquanto o brasileiro recebeu 1,4 milhão de reais para baixar os braços e dançar, antes de ir à lona, a bolsa do americano para lutar foi de cerca de 54 mil reais. Pelo nocaute, Weidman recebeu um bônus de mais 113 mil reais. Com o dinheiro, disse que pretende comprar uma casa. A sua, em Nova York, virou um esgoto e foi completamente perdida com a passagem do furacão Sandy, em 2012.

Transformado em estrela, Silva esqueceu de onde ele vem - negro, brasileiro, e lutador de vale tudo por falta de opção. Weidman é branco, mas lutou como negro, como pobre, como sem-teto. O seu braço tatuado acertou não apenas Silva, mas tudo aquilo que ele passou a representar: o rico, o soberbo, o anti-ídolo de um espetáculo que não tem muito de esporte. É um show sanguinolento que nesse caso, excepcionalmente, deu um exemplo útil.

Um lição, repito, pode ser um soco na cara. E há momentos em que um soco na cara pode ser uma boa lição.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Eu e o Thales de "Amor à Vida"

O dramaturgo Walcyr Carrasco resolveu botar como protagonista da sua novela das nove na TV Globo um certo "Thales", assim, com H mesmo, e "aspirante" a escritor. Na novela, Thales se apaixona por uma moça rica, que está com câncer. E segue o drama. Qualquer semelhança seria mera coincidência?

Walcyr é um amigo de longa data. Trabalhamos juntos, quando eu era editor da VIP, no final dos anos 1990. Foi ele quem assinou a apresentação de meu primeiro romance, Filhos da Terra, em 1998. E me indicou para a Editora Objetiva, onde tenho publicado meu mais recente romance, Amor e Tempestade. Walcyr sabe que eu já tive mulher e namorada ricas. Certa vez, diante de minhas dificuldades de lidar com certos aspectos do relacionamento com os ultra-ricos, me recomendou a leitura de um livro: Suave é a Noite, de Scott Fitzgerald. Que eu recomendo também, como um grande livro, ou para quem quer ter uma pista de onde, pode ser, irá a novela.


Não posso dizer que sou o personagem do Walcyr. Talvez nem ele mesmo possa dizer. É indefinível, muitas vezes, o limite entre a ficção e a realidade na imaginação de um autor. Agradeço no entanto a homenagem do nome e que sua inspiração tenha feito, na cabeça de seu criador, o personagem ser o herói da história, e não um bandido ou um vagabundo qualquer. Quanto á namorada com câncer, me lembra mais a história de outro amigo que eu e Walcyr temos em comum. Este amigo conheceu a mulher dele na mesma noite em que ela descobriu que tinha a doença. Antes um namorador contumaz, ele permaneceu fiel ao relacionamento. Um mês depois de ser considerada curada, sua mulher ficou grávida. O menino hoje tem dois anos, e recentemente eles fizeram sua primeira viagem juntos de férias, depois de quatro anos de relacionamento. Um final extraordinário, melhor do que qualquer ficcionista poderia imaginar. Outra pista aí de onde pode ir o folhetim global.

O escritor dá medo nas pessoas ao seu redor. Medo porque ele processa tudo o que vê e utiliza as pessoas mais próximas, muitas vezes, como material de trabalho. Muitas pessoas receiam o que possa sair de sua cabeça, ou melhor, de seu computador. Uma vez, um ex-cunhado meu, juiz de Direito, me perguntou como as pessoas se defendiam de escritores, depois de observar que eu "acertava muitas contas" naquilo que escrevia. Eu disse, simplesmente: aceitando.

É fácil falar isso, para um autor, mas nem tanto quanto se está do outro lado. O escritor pode também ser "vítima" de um amigo ou colega. Essa é a razão pela qual escritores em geral não se dão muito bem entre si - só se interessam pelo que eles próprios estão escrevendo, e evitam o semelhante, justamente por conhecerem o processo de trabalho. Preferem ser personagens de si mesmos. Não é meu caso. Tenho em Walcyr um grande amigo, não importa o que escreva. Torço para que a novela continue fazendo muito sucesso. E que o Thales de Amor À Vida tenha a sorte, como eu, de um dia ser feliz no amor e, também, na literatura.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Um povo gigante

A festa tinha tudo para dar errado. A seleção brasileira vinha mal, o povo insatisfeito resolveu usar o futebol para manifestar todo seu desagrado, e havia um certo perigo de, ao expôr nossas mazelas, passarmos vergonha diante do público mundial, tanto no plano diplomático quanto esportivo.

E o que aconteceu foi bem o contrário. O Brasil já deu grandes exemplos ao mundo de civilidade. Primeiro, quando refez de forma pacífica sua cidadania e a democracia, com o movimento das Diretas Já. Depois, organizou sua economia, recolocando ordem onde é necessária. Mais recentemente, com o recado das urnas, estimulou a promoção social da massa mais pobre e marginalizada. E agora deu mais uma demonstração ao mundo de que não são os governantes que dirigem o país. Eles são apenas delegados, com mandato definido e contas a prestar. Quem manda no Brasil é o povo brasileiro. E o povo brasileiro sabe o que faz.

A Copa das Confederações acabou sendo uma festa política, de cidadania e foi coroada também por uma grande festa esportiva. Foi especial ver o povo brasileiro defender as causas em que acredita e lembrar seus governantes dos compromissos que ainda falta cumprir - transporte, segurança, saúde, educação, ética na política. Claro, sempre que há manifestações de massa, aparecem os oportunistas. Oportunistas são os baderneiros que aproveitam a multidão para fazer arruaça. São os partidos de direita e esquerda que querem pegar carona no que não têm - a força popular. E os políticos, como a presidente Dilma, que fez de conta que as manifestações eram a favor do governo, e usou o movimento para propor um plebiscito que nunca apareceu nas reivindicações populares, para poder fazer uma pseudo-reforma política que é do interesse apenas de um minoria dentro do seu próprio partido.

O povo brasileiro, porém, não pode ser confundido com essas minorias de oportunistas e vândalos. A voz do povo falou mais alto, com grandes manifestações cívicas. Foram as milhares de pessoas que saíram ordeiramente às ruas e cantaram o hino nacional em cima da laje do Congresso. E, nos estádios, levaram o hino até o fim, fazendo valer a lei brasileira - hino nacional, quando cantado, é até o fim. O povo brasileiro passou por cima da arrogância da Fifa e seu presidente, expoente máximo de uma entidade moralmente questionada por um passado infestado de denúncias de corrupção, mas que acha que pode dar lição de moral a um povo inteiro (e tomou uma vaia exemplar).

Por fim, o Brasil mostrou grandeza também em campo. Seu futebol renasceu das cinzas, vencendo de forma categórica a seleção cujos jogadores disseram que eram "o Brasil do presente". O Brasil, em campo, mostrou aos estrelados campeões espanhóis a cor da camisa do Brasil de verdade. Venceu com sobras uma Espanha que, melhor que tudo, não foi mal - ao contrário, mostrou seu futebol de sempre, vencedor e tão decantado pela imprensa esportiva. O Brasil não venceu bem porque a Espanha jogou mal. Venceu mostrando que há um padrão superior. Um futebol ao mesmo tempo competitivo e bonito e que, acima de tudo, não dá muitas chances ao melhor adversário.

O Brasil sofrerá derrotas e terá dias ruins. Porém, a força coletiva mostra que este é um país capaz de sempre se levantar. E que caminha rumo a um sonho de milhões de pessoas, desejosas de fazê-lo cada vez mais real. Quando acredita em si mesmo, e levanta suas bandeiras, dentro e fora de campo, o povo brasileiro é gigante.